Por Guilherme Fumeo Almeida
Doutor em Comunicação (UFRGS), pós-doutorando em Mídia e Cotidiano (UFF), pesquisador do cinema brasileiro
“Este não é um filme sobre o golpe nem sobre a morte de João Goulart. É um filme sobre o exílio. Fui buscar no exílio o lado humano de Jango”, afirma o diretor Pedro Isaías Lucas sobre seu novo documentário. Jango no Exílio estreia na próxima quinta-feira (28/3) nas salas de cinema e apresenta, a partir de entrevistas e imagens inéditas, a vida do presidente durante os 12 anos em que esteve exilado no Uruguai e na Argentina. Com imagens de arquivo, como fotos, cartas e recortes de jornais, e depoimento de familiares e amigos de Jango, o documentário enriquece a memória acerca do seu cotidiano no exílio e se insere em um movimento histórico de ressignificação de sua imagem política e pessoal.
Dias depois do golpe civil-militar de 1964, Goulart escreveu uma carta solicitando asilo ao governo do Uruguai. Pedido aceito, ele se mudou, com a esposa, Maria Thereza, e os filhos, Denize e João Vicente, para uma casa perto de Montevidéu, logo fixando base na capital. Também comprou a Estância El Rincón, em Tacuarembó. No país onde viveu quase uma década, se alternava entre a casa em Montevidéu, onde recebeu o inimigo histórico Carlos Lacerda, em 1967, na tentativa de formação da Frente Ampla, e a estância, onde fazia negócios, montava a cavalo e comia churrasco com seus funcionários. Preferia passar mais tempo na estância: a vida no campo combinava com seu temperamento simples e carismático, segundo os relatos de amigos e familiares.
Em 1973, após o golpe militar no Uruguai, Jango e a família partiram para a Argentina. Primeiro seguiram para Buenos Aires, morando depois na fazenda La Villa, em Corrientes, até sua morte. Sempre marcada pela solidão, perseguição e vontade de voltar ao Brasil, a vida de Goulart no exílio foi tornando-se cada vez mais perigosa ao longo dos anos 1970. Em tempos de consolidação de regimes ditatoriais em toda a América Latina, com a colaboração entre os governos autoritários, o presidente era monitorado constantemente por órgãos da repressão brasileira.
A atmosfera de insegurança crescente no desterro platino e a falta de garantia de um retorno ao Brasil sem ser preso levaram Jango para um sentimento cada vez maior de infelicidade e um agravamento de suas condições de saúde. A volta à sua cidade natal, São Borja, não aconteceu em vida: em dezembro de 1976, em Mercedes, Argentina, Goulart sofreu um infarto e morreu. A ordem militar de um enterro rápido não foi seguida pelas 3 mil pessoas que cortejaram o caixão pelas ruas de São Borja, mas o corpo não foi exumado. A autópsia, assim como a cerimônia fúnebre com honras de chefe de Estado, só foi possível em 2013. Os resultados foram inconclusivos, mas os depoimentos do filme ressaltam as polêmicas envolvendo a investigação, como a presença de policiais na equipe e as pequenas doses de substância explosiva detectadas no sangue.
Ao realizar um filme sobre o exílio de Jango, sobre seu cotidiano após ser expulso do poder e de ter que deixar o próprio país, Pedro Isaías Lucas (que antes dirigiu, entre outros, os curtas Raízes do Teatro e O Veneno do Escorpião e o longa-metragem Argus Montenegro e a Instabilidade do Tempo Forte) dá destaque para imagens e relatos que humanizam esse período da vida do presidente e fortalecem alguns elementos importantes de sua personalidade individual e de sua figura histórica. Jango no Exílio é sobre um homem que tentou recomeçar. Um homem inteligente, com grandes habilidades administrativas. Um estadista com percepção aguçada, que teria liderado o Brasil em um processo de desenvolvimento inédito e que, após um golpe, tomou a decisão correta de não resistir, deixando como legado histórico para seu país a ausência de uma guerra civil e a preservação do seu território.
Jango no Exílio
- Documentário, 105 minutos. Direção: Pedro Isaías Lucas.
- O filme apresenta um olhar sobre os 12 anos que o ex-presidente da República João Goulart esteve exilado no Uruguai e na Argentina após o golpe civil-militar de 1964.
- O lançamento será na próxima quinta-feira, marcando o fim de semana em que o golpe completa seis décadas. Estreia na programação da Cinemateca Paulo Amorim e em outras salas, que ainda não estavam definidas até o fechamento desta edição.