Steven Spielberg é um gênio. Conhecido como pai dos blockbusters, por seu icônico Tubarão (1975), o diretor, ao longo de cinco décadas, arrastou multidões aos cinemas com suas produções grandiosas e recheadas de aventura — tendo como estrelas dinossauros, extraterrestres, robôs, arqueólogos carregando um chicote, personagens de videogames, gigantes e, claro, tubarões.
Especialista no cinema de espetáculo, acumulando títulos que marcaram a cultura pop, Spielberg também tem o dom de contar histórias reais com extrema maestria, assim como o fez com o trágico episódio do Holocausto, com o sofrimento da escravidão e com o massacre que ocorreu nas Olímpiadas de Munique. Não há um gênero que cause medo no diretor — em 2021, inclusive, mergulhou nos musicais.
Entre o caos da Segunda Guerra Mundial e o de um estrangeiro preso em um aeroporto, o diretor escreveu o seu nome na história da sétima arte. E não há qualquer exagero em dizer que Spielberg é um dos maiores cineastas vivos — se não for o maior. Mas como que este homem se tornou esta lenda? De onde veio esta paixão pelo cinema? Como ele foi moldado? Estas respostas podem ser encontradas em Os Fabelmans, que chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (12), recriando a infância e a juventude do artista.
A produção vai no embalo dos cases de outros diretores que decidiram contar as suas histórias — ou perto disso, uma vez que os títulos se baseiam em lembranças dos cineastas —, como Kenneth Branagh e seu Belfast (2021) e Alfonso Cuarón com Roma (2018), ambos premiados no Oscar. O que Spielberg faz de diferente é trazer, também, o amor pela sétima arte, os bastidores do fazer os filmes. E esta é a receita do sucesso perante a Academia: falar sobre o próprio cinema.
É claro que, para dar certo, não basta apenas usar a fórmula, tem que ter talento para tal. E isto é algo que não falta em Spielberg. Em seu projeto mais intimista, o cineasta revisita os limites de sua memória e se projeta no pequeno Sam Fabelman (Mateo Zoryan na infância e o ótimo Gabriel LaBelle na adolescência) que, após ir ao cinema pela primeira vez, para uma sessão de O Maior Espetáculo da Terra (1952), épico de Cecil B. DeMille, passa a viver uma obsessão. Para o bem de todos que sentaram em uma sala escura nas últimas décadas.
Horizonte
Em entrevistas para a divulgação de Os Fabelmans, Spielberg contou que sempre foi muito reservado sobre a sua vida particular e, durante a pandemia, questionou-se sobre qual seria a história que ainda faltava contar, caso tivesse apenas mais um filme para fazer. Eis que ele se deu conta que seria a sua própria — algo que a sua mãe, Leah, sempre incentivou, por mais exposta que ela pudesse ficar.
Assim, Spielberg e Tony Kushner — a dupla atuou junto no recente Amor, Sublime Amor (2021), bem como em Lincoln (2012) e Munique (2005) — escreveram o roteiro do longa, que coloca a família Fabelman no centro da narrativa, com seus dramas, conflitos e um segredo que mudará a vida de todos os integrantes. São os pais de Sam, Mitzi (Michelle Williams) e Burt (Paul Dano), que criam a dualidade na vida do jovem: enquanto o pai quer que o jovem invista em uma "carreira de verdade" e não no "hobby" de fazer filmes, a mãe, uma artista talentosa, mas que nunca aconteceu, o incentiva a viver o seu sonho.
Em suas 2h31min de duração, Os Fabelmans não cansa. Tudo que está em tela é interessante e ajuda a entender como foi forjado o cineasta e, além de contar a sua própria jornada, ainda cria identificação com o público, em alguma das esferas de sua história. E ela vai desde a primeira paixão, passando pelo bullying sofrido até a relação com as irmãs e com os pais. Nada parece exagero.
Sensível, o filme ainda brinca com autorreferências, trazendo detalhes que remetem à filmografia do cineasta e, inclusive, utilizando metalinguagem muito divertida e criativa. É nítida a paixão empregada pelo diretor na condução do longa e no cuidado para criar a história, que vai da homenagem à autoanálise. E, claro, enquanto a família enfrenta suas dificuldades, o jovem Sam, em paralelo, vai descobrindo o mundo através das lentes de sua câmera.
Logo no começo do filme, o protagonista, ainda criança, coloca as mãos em frente de uma projeção de um curta feito pelo próprio, mostrando-se admirado com a sua própria criação. E é emocionante pensar que aquele gesto, por mais que seja imaginado apenas para Os Fabelmans, iria ser o ponto de partida para uma jornada brilhante e que, de fato, fez diferença no mundo.
Ao final, quando Sam encontra com John Ford (vivido por David Lynch), e o cineasta lhe dá o conselho de que o horizonte deve ser enquadrado acima ou abaixo da cena, jamais no meio, pois seria muito chato, é brilhante como Spielberg encerra o seu filme, seguindo o conselho de seu ídolo. E o mais legal: este encontro realmente aconteceu. E, agora, foi recriado e está eternizado em um belíssimo filme, que conquistou o Globo de Ouro e deve brigar pelo Oscar. Merecidamente.