Previsto para chegar às telas em junho de 2022, o longa Desapega!, do cineasta sino-brasileiro Hsu Chien Hsin, já em sua reta final de filmagem, vai estrear em meio a uma efeméride singular na trajetória de Gloria Pires, protagonista da trama ao lado de Maisa: na data, ela celebra 40 anos de cinema.
Em maio de 1982, a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes exibiu o trabalho que revelou a atriz que hoje está com 58 anos: Índia, a Filha do Sol, de Fábio Barreto. À época, ela já era conhecida na TV, onde começou aos cinco anos, em A Pequena Órfã, da Excelsior.
— Eu fiz uma novela nos anos 1980, com o Lauro Corona, chamada Direito de Amar. Eu já era mãe, tinha feito filme, tinha vários trabalhos na teledramaturgia. Mas lembro que, ali, foi a primeira vez em que pisei em um set de televisão e senti: "Agora, eu estou conseguindo respirar". No cinema, não sei se houve esse momento. Comecei em uma época em que esperávamos dias para ver a cena rodada de um filme, esperando as primeiras cópias. Havia um mistério — diz Gloria ao Estadão, em um set na Barra da Tijuca que serve de lar para Rita, personagem de Desapega!, projeto em que atua também como produtora e em uma função inédita em sua carreira: a de opinar sobre o roteiro.
— Pela vivência que tenho, é importante colaborar com aquilo que se diz em uma história, como, onde e quando se fala. Respeito muito quem escreve. Meu cuidado é mais colaborar para a busca por mais impacto. Não sei se eu teria capacidade de escrever um filme do zero, mas é importante estar perto de quem me dirige — comenta.
No início do ano, Bruno Barreto, em entrevista ao Estadão, falou que seu novo filme, Vovó Ninja, aventura familiar que tem Gloria no papel central, poderia perfeitamente trazer o nome da atriz entre os créditos de roteiristas.
— Ela deu várias ideias nas leituras. É uma atriz imensa, uma das mais talentosas do mundo — disse Bruno, depoimento no qual Hsu Chien assina embaixo.
— Gloria é uma atriz que cria cenas, que propõe e ajuda a encontrar um tipo de humor realista — diz o cineasta, que destaca a vasta experiência de sua estrela à frente das câmeras como um dos motores de sua invenção.
Dois anos depois da passagem de Índia, a Filha do Sol por Cannes, Gloria voltou com Memórias do Cárcere, que deu a Nelson Pereira dos Santos o prêmio da Federação de Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) em 1984. Depois vieram Besame Mucho (1987) e Jorge, um Brasileiro (1989), lançado logo após o fenômeno que foi sua interpretação como Maria de Fátima na novela Vale Tudo (1988).
— Logo que comecei, tive Lucy Barreto ao meu lado, já no set de Índia. É uma produtora fabulosa, inteligente. Aliás, é muito bom ver mulheres assumindo novos postos na sociedade, ocupando espaços, em uma potente mudança cultural — diz Gloria, que trabalhou com Lucy e a família Barreto em projetos cruciais para sua trajetória.
Ainda sob a direção de Fábio Barreto, ela representou o país na disputa pelo Oscar, com O Quatrilho, em 1996, e ainda viveu dona Lindu em Lula, o Filho do Brasil (2009). Depois, Gloria passeou por blockbusters que redefiniram as bilheterias da indústria audiovisual — como a franquia Se Eu Fosse Você, de Daniel Filho, considerada um pilar da neochanchada -, arrebatou o Festival de Brasília de 2009 com Proibido Fumar, de Anna Muylaert. Colheu elogios na Berlinale por Flores Raras (2013), e, há dois meses, levou o Kikito de melhor interpretação feminina de Gramado pelo policial A Suspeita.
— Sempre encontro no cinema algo de profundo, que o tempo do processo permite alcançar. Novela é a minha base, pois quem faz, com toda a agilidade que a TV exige, é capaz de fazer tudo. Mas o cinema traz algo diferente, uma convivência intensa, de 12 horas de trabalho por dia, em quatro semanas, o que oferece a chance de uma maior proximidade com a equipe e de um maior aprofundamento — diz Gloria, vestida como um quimono de Rita que, em Desapega!, começa a enfrentar seu comportamento compulsivo em meio a uma síndrome de ninho vazio pela saída da filha, Duda, papel de Maisa.
— A questão aqui é trazer humor, com muito respeito, para um assunto sério - o desapego - na busca por um equilíbrio. A ideia é ser inclusivo. É rir junto e jamais rir de. É importante ser consciente. Ter a consciência do outro.
Realizador de Ninguém Entra, Ninguém Sai e de Quem Vai Ficar Com Mário?, um dos filmes brasileiros mais vistos do ano (hoje na Amazon Prime), Hsu Chien, que nasceu em Taiwan e se radicou no Rio ainda criança, construiu a trama a partir de experiências pessoais com consumo desenfreado.
— Quando eu soube que teria a Gloria no filme, fiquei muito contente pela chance de poder dirigir uma atriz que fala ao Brasil sobre o Brasil. Uma artista que injeta delicadeza nos gestos mais cotidianos — afirma Hsu, que completa:
— E Maisa, que representa o frescor da nova geração, surpreendeu com a maturidade com que encarna uma filha preocupada com o descontrole da mãe. Aqui é uma comédia que trata de momentos dramáticos a sério, sem caricaturas. É uma narrativa calorosa, de contrastes.
Produzido por Patrícia Chamon, Desapega! acompanha a reestruturação emotiva de Rita não apenas com a filha, mas com um novo amor, encarnado por Marcos Pasquim, em uma linha narrativa pontuada pelo riso.
— Em momentos de crise, um respiro sempre é importante. A comédia é sempre um modo eficiente de compartilhar uma mensagem. E aqui, é de carinho, de maternidade, afeto — comenta Gloria.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.