Sequência espiritual do cultuado Árido Movie (2005), o longa Acqua Movie estreia nos cinemas nesta quinta-feira (10). Dirigido por Lírio Ferreira (Cartola e Sangue Azul), o filme é conduzido por uma viagem de mãe e filho rumo ao sertão pernambucano, apresentando a paisagem nordestina alterada pela transposição do Rio São Francisco.
No começo de Acqua Movie, Cícero (Antonio Haddad) encontra seu pai, Jonas (Guilherme Weber), morto no banheiro de casa. O protagonista de Árido Movie foi vítima de um infarto fulminante. Sempre distante, Duda (Alessandra Negrini) estava na floresta amazônica realizando um documentário. Ela volta para São Paulo para o funeral de seu marido, com quem já não mantinha boa relação. Ainda, a cineasta também não tem nenhuma conexão com seu filho.
Até que Cícero decide levar as cinzas de seu pai na cidade onde ele nasceu, em Rocha, no interior de Pernambuco. Já que o município encontra-se submerso, o destino seria Nova Rocha, onde vive a família de Jonas. Como forma de se reaproximar de seu filho, Duda parte com Cícero de carro até o sertão pernambucano, trazendo ao filme sua narrativa de road movie.
Em Nova Rocha, os dois precisam lidar com a forte presença do coronelismo na região, principalmente na figura de Múcio (Augusto Madeira), tio de Jonas. Ameaçador e miliciano, ele é prefeito de Nova Rocha e quer fazer da despedida do sobrinho um evento pomposo, ao contrário do que espera Duda. Mãe e Filho também deparam com a outra questão mal resolvida por ali (e pelo país): a demarcação de terras indígenas.
Sequência espiritual
Embora retome diversos elementos de Árido Movie, Acqua é uma continuação não-convencional do filme de 2005. Os personagens têm outros nomes ou são interpretados por atores diferentes. O diretor assegura que não é necessário ter visto Árido para entrar no universo de Acqua, embora ele ressalte que a viagem possa ser mais interessante caso o espectador tenha assistido ao primeiro filme. Segundo Lírio, a ideia era fazer uma ruptura, uma sequência mais cartesiana.
— A ideia inicial era fazer algo com o Jonas mais velho. A cada tratamento, queria quebrar essa estrutura mais clássica de uma continuação, subvertendo a ideia de uma continuação. Personagens começaram a adquirir outros nomes, e os atores são outros, mas a essência está ali — explica.
A ideia para resgatar a trama de Árido surgiu em uma viagem de Lírio ao sertão pernambucano para um festival de cinema. No caminho, ele cruzou pela primeira vez com as obras de transposição do Rio São Francisco, o que lhe trouxe uma inquietação. Para o cineasta, Árido Movie ainda tinha deixado algumas portas abertas. Então, ele recrutou Marcelo Gomes e Paulo Caldas para trabalhar no roteiro da continuação.
Se Árido era um filme sobre o excesso de informação e a falta de água, Acqua trabalha com a utopia da água concretizada pela transposição, com sua transformação na paisagem e na economia da região. Em sua narrativa, o longa também costura as questões ambiental e indígena e o coronelismo.
Reconstrução do afeto
Contudo, Acqua também é um filme sobre reconstrução do afeto. Nesse processo, Alessandra e Antonio entregam boa química em cena.
— Ensaiamos durante três meses e fomos construindo nossa intimidade de mãe e filho. Os dois, no começo, têm uma relação distanciada. Na ficção, a viagem vai unindo mãe e filho, o que foi acontecendo na realidade também. Nós também fomos nos aproximando, além dos personagens. Ele é um parceiraço — relata Alessandra.
Em relação às temáticas de Acqua Movie, Alessandra crê que um dos pontos mais bonitos do filme é tratar do íntimo inserido na situação contemporânea — o que, segundo a atriz, não dá para separar da política.
— O filme mostra como nós somos cidadãos políticos, mesmo quando se quer fugir disso. Nós estamos inseridos no contexto político. São várias narrativas que estão sendo ali tratadas, que tem a água como fio condutor, costurando o íntimo e o externo, a questão política e social — destaca Alessandra. — Acqua Movie trata de questões que precisamos abrir os olhos, discutir e pensar. Como não é didático ou chato, o filme vai pegar as pessoas pelo coração, até para quem não está nem aí para as questões ecológicas ou políticas e sociais que são mostradas na tela. Tudo isso é exibido de uma forma emotiva.
Sobre a possibilidade de realizar mais uma sequência do universo que teve início em Árido Movie, Lírio vislumbra:
— Penso em fazer o "Air Movie". Tenho esse sonho. Acho que seria uma ficção científica. Sempre sonhei em filmar gafanhotos no ar, cangaceiros dentro de uma espaçonave... Quem sabe essa vai ser uma possibilidade?