Há cowboys negros, neste momento, cavalgando pelas ruas da Filadélfia. Alma de Cowboy, uma espécie de western urbano que chega à Netflix nesta sexta-feira (2), conta a história deles.
O drama se desenrola pelos olhos desamparados de Cole (Caleb McLaughlin, de Stranger Things). Este garoto de 15 anos é visto como um problema tão grande pela mãe que, após ele ser expulso da escola, ela o coloca no carro e dirige por nove horas para deixá-lo com o pai pelo verão, nos subúrbios da Filadélfia, sem maiores discussões.
Ausente, taciturno, enigmático: Harp (Idris Elba), pai de Cole, é tudo isso. Mas, principalmente, ele é um cowboy e o líder do estábulo da região — um bairro periférico da cidade norte-americana. Por toda sua vizinhança, não faltam botas, chapéus e bandanas. É a reverência pelos cavalos, parece, o sentimento que mantém estes homens e mulheres unidos, apesar das dificuldades consequentes da gentrificação, da violência e do racismo.
Os “cowboys do concreto” são um grupo heterogêneo que gosta de se reunir à noite, ao redor do fogo, para contar lendas sobre os cavaleiros negros apagados da história dos Estados Unidos — “por causa da m… de Hollywood e John Wayne”, reclama um deles à certa altura do filme. Ao dia, seu trabalho é domar estes animais, resgatá-los, cuidar deles e do estábulo.
Não é uma existência que atrai Cole no primeiro momento, uma vez que ele está mais disposto a gastar suas horas ao lado de um antigo amigo, Smush (Jharrel Jerome), que aposta na venda de drogas para mudar o próprio destino. Entre a decadente casa do pai e o par de Air Jordan novos, presente de Smush, Cole prefere o último.
Só quando o rapaz cria um laço com um cavalo arredio as coisas começam a mudar. E, sem que ele nem perceba, os cowboys ao seu redor passam a trabalhar para que ele escolha pelo caminho certo em sua vida. “Não são só os cavalos que precisam ser domados por aqui”, aponta uma das frequentadoras do estábulo.
Porque todos ao redor do jovem seguem o tratando como um adulto capaz de tomar cada decisão difícil da vida sozinho, aos 15 anos, é um dos enigmas do filme. Não há ninguém nem para lhe emprestar um teto, após uma briga com o pai, e o máximo que uma vizinha tem para lhe oferecer é adicioná-lo às suas orações.
“Não sei sobre você, mas eu estou cansado de ser abandonado”, desabafa Smush, quando confrontado por sua escolha de seguir pelo crime. “Todo mundo que deveria cuidar de mim, me deixou de lado”. É similar a súplica que Cole faz a Harp, questionando porque ele é incapaz de ser o pai que o garoto precisa, enquanto o cowboy é capaz de liderar a todos os outros na comunidade. A resposta não é simples.
— Eu sinto que nasci com uma bota no meu pescoço. Aprendi desde cedo: “Cuidado lá fora”. É o que minha mãe costumava me dizer: “Cuidado lá fora, garoto” — narra Harp, já ao final da trama — Não sei o que esperam que sejamos como adultos, se temos que ter cuidado por nossa vida, o tempo todo.
Realidade
Longa-metragem de estreia do diretor Ricky Staub, Alma de Cowboy é um projeto em curso há sete anos. Primeiro, o cineasta descobriu por acaso a existência destes cowboys urbanos vivendo no norte da Filadélfia, com estábulos em meio à cidade, na Fletcher Street. Então, leu o livro Ghetto Cowboy, de G. Neri, e sentiu ainda mais que havia um filme em potencial ali.
O problema era como retratar de forma autêntica uma subcultura tão rica e, ao mesmo tempo, tão desprezada. Para não cair em uma representação rasa ou caricata, Staub decidiu passar anos junto aos cowboys em seus estábulos, antes de apontar qualquer lente para eles.
Quando o projeto finalmente saiu do papel, o cineasta ainda fez questão de colocar em frente às câmeras membros reais da comunidade, como é o caso dos atores Jamil Prattis (intérprete de Paris) e Ivannah-Mercedes (Esha). O resultado é uma visão nem idealista ou superficial, que transmite com sensibilidade o que representa ser um cowboy urbano para essas pessoas: uma combinação potente de rebeldia e amor pela liberdade.