Inaugurado em 1923, o aeroporto Tempelhof ganhou funções que vão além de embarques e desembarques ao longo das décadas. Localizado em Berlim e desativado para voos desde 2008, o espaço chegou a ser base militar nazista no passado e se tornou um parque em 2010. O documentário Aeroporto Central, que chega nesta sexta-feira (24) às plataformas de streaming (veja no serviço abaixo), aborda outra reinvenção do Tempelhof: entre 2015 e 2019, foi o maior abrigo para refugiados da Alemanha, comportando milhares de pessoas.
Dirigido por Karim Aïnouz, que teve o drama A Vida Invisível premiado como melhor filme da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2019, Aeroporto Central foi exibido pela primeira vez um ano antes, na mostra Panorama do Festival de Berlim, onde conquistou o prêmio da Anistia Internacional. Após rodar festivais pelo mundo, o documentário iria estrear nos cinemas no dia 26 de março. Com a pandemia da covid-19 e o fechamento das salas, entra direto no streaming.
Aeroporto Central destaca dois refugiados: o jovem sírio Ibrahim Al Hussein, que deixou a família em busca de um futuro melhor na Alemanha, e o iraquiano Qutaiba Nafea, que tem diploma de fisioterapeuta e estudava medicina em seu país. Com narrações em off de Ibrahim, em que compartilha suas lembranças da Síria, o documentário segue a vida da dupla no aeroporto durante um ano.
O filme segue o cotidiano dos refugiados, compartilhando suas angústias e a adaptação à nova realidade, além da incerteza da permanência no país. Afinal, o aeroporto é um abrigo transitório – os refugiados vivem ali até que o governo alemão defina o seu destino. Segundo Aïnouz, o documentário começou em 2015, como um projeto sobre o espaço então usado como parque, próximo de onde vive em Berlim. Porém, o filme foi se transformando à medida que chegava mais gente buscando asilo na Europa.
– Me pareceu mais urgente contar a história das pessoas que estavam chegando. Foi virando muito mais um filme sobre as pessoas que estavam fugindo da guerra e o que estavam esperando pela frente – conta o diretor, em entrevista a GaúchaZH. – Pretendi contar uma crônica sob o meu olhar, com personagens que estava sendo invisibilizados.
Com planos abertos, escuros e meticulosamente geométricos, o filme transmite a sensação de solidão e vazio do aeroporto em suas imagens. Todavia, o espaço se torna um personagem à parte. Há momentos em que são expostas imagens de um aeroporto mais ensolarado, em que seus gramados e pistas são aproveitados para lazer, como um parque —é um local de ressignificações.
– O aeroporto simboliza uma capacidade de cicatrização. Representa o quanto a cidade não esconde o seu passado, mas é capaz de olhar para o futuro de maneira generosa, realizando uma reinvenção de si mesma – diz o diretor.
Adaptação e pandemia
Aïnouz lembra que as pessoas tinham uma resistência muito grande à câmera. Ele precisou passar seis meses visitando o aeroporto para construir uma relação mais próxima com os refugiados:
– As pessoas não queriam ser vistas naquela situação. Embora fosse um lugar digno, era uma situação muito dura.
Entre aqueles com os quais Aïnouz construiu uma boa relação, Qutaiba e Ibrahim se sobressaíram. O primeiro encara a vida com uma doçura, segundo o cineasta, mesmo que tenha vivido experiências horríveis na guerra. Já Ibrahim o lembrava dele mesmo quando era jovem, muito por conta de querer contar sua história.
– Foi algo que me encantou muito. Dei um caderno para eles escreveram seus relatos, e Ibrahim foi quem mais contou historias de seu passado e presente –destaca.
Alerta de spoiler neste parágrafo: após o período no aeroporto, Qutaiba e Ibrahim conseguiram permanecer no país. De acordo com o diretor, Qutaiba saiu da área da saúde e trabalha com marketing. Está casado e tem uma filha. Já Ibrahim se tornou gerente de um cinema e é funcionário modelo. Aïnouz diz que o jovem fala em estudar cinema ou publicidade e gosta muito de animação. No entanto, está sem trabalhar por conta do isolamento imposto pela pandemia.
Aliás, Aïnouz observa que é possível traçar um paralelo de Aeroporto Central com o atual momento:
– O filme é um documento sobre a espera, sobre a incerteza, de quando a gente não tem controle do que vai ser o futuro. Assim como estamos vivendo agora. O documentário coloca em perspectiva a resiliência dos personagens, que não tem para onde voltar e dependem da boa vontade de um país que os acolheu, esperando que seu destino seja decidido por ele.
Assista ao trailer:
Aeroporto Central
- Documentário, 97 minutos, Alemanha/França/Brasil.
- Onde Ver: Now, Vivo Play, Oi Play, Itunes, Google+, Filme Filme e Looke.