Talvez o papa Francisco tenha assistido ao filme Dois Papas, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Se não assistiu, pelo menos o recebeu em mãos. Em entrevista ao Timeline Gaúcha nesta sexta-feira (3), o cineasta revelou que algumas pessoas do Vaticano foram convidadas para uma sessão especial da produção da Netflix em Roma e, após a exibição, um cardeal elogiou o filme e aproveitou para fazer um pedido especial ao diretor.
— No fim da sessão, ele me pediu um DVD com o filme para mandar para o Papa. Mandamos um DVD com legenda em espanhol, estou louco para mandar uma mensagem no WhatsApp para o cardeal para ver o que o Papa achou — contou Meirelles, rindo.
Dois Papas estreou no dia 20 de dezembro com Jonathan Pryce na pele do argentino Jorge Bergoglio (Francisco)
e Anthony Hopkins como o alemão Joseph Ratzinger (Bento XVI). O longa mostra uma possível relação de amizade entre os dois, que começou durante o papado de Bento XVI.
Os cenários principais do filme são o Vaticano e a residência de verão do Pontífice, em Castel Gandolfo. Meirelles afirmou que houve uma tentativa de apoio do Vaticano para que as filmagens pudessem ser realizadas na residência oficial do Papa, mas a resposta nunca veio.
Por conta disso, a maioria das cenas foi gravada em estúdio e construídas no chamado "fundo verde", com técnicas de edição e computação gráfica. Um vídeo de bastidores divulgados pelo próprio Meirelles mostra como os truques do cinema foram usados em seu longa.
— A gente não precisa de autorização porque toda a informação do filme é pública.
Tudo o que eles falam um para o outro foi tirado de entrevistas, livros, coisas que eles escreveram. A gente não sabe se esse encontro na Capela Sistina realmente aconteceu, mas de fato ocorreram três encontros privados entre os dois que ninguém acompanhou.
O roteiro imaginou o que eles poderiam ter dito, e aí que acontece a ficção — explicou o cineasta.
O que é ficção na história real
Fernando Meirelles também revelou algumas "mentiras" mostradas no filme. Uma versão da Capela Sistina foi construída exclusivamente para Dois Papas. E Francisco e Bento XVI nunca assistiram juntos à final da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, partida que colocou frente a frente seus dois países. A cena foi usada para ilustrar o sentimento de tolerância que o filme quis passar.
— O tema que mais me interessou foi a tolerância e talvez por isso o filme esteja indo tão bem. Todo mundo está vivendo isso, essa questão da intolerância, de não ouvir o outro, de perder a capacidade de escutar. Eu posso discordar de alguém, mas posso tolerar. E, atualmente, a gente não está assim — completou Meirelles.
Foco em Francisco
Apesar de a maioria das opiniões sobre o filme serem positivas, algumas pessoas criticaram a forma como Bento XVI é retratada, quase que como uma escada para a ascensão de Francisco. Sobre isso, o diretor afirmou que, desde o início, o foco do filme era no Pontífice argentino.
— O filme se chamava O Papa, o Francisco. Quando assistimos pela primeira vez na metade do ano passado, notamos que tinha um equilíbrio interessante, aí mudamos para Dois Papas. Cria-se essa expectativa de ter uma equidade entre os dois. Mas não tem isso,
o filme é sobre o Francisco, começa com Francisco e termina com Francisco. Ele é o protagonista.
O cineasta brasileiro também levantou torcida para Jonathan Pryce na cerimônia do Globo de Ouro de 2020, que acontece no próximo domingo (5). Mas admite que a concorrência está forte.
— Nesse ano o Joaquin Phoenix vai levar tudo o que tiver que levar, ele fez um Coringa extraordinário. Acho que temos mais chance em roteiro, que lá na lista aparece apenas um nome, mas foi feito a 25 mãos — apostou Meirelles.
Dois Papas foi indicado a quatro categorias: melhor filme, melhor ator (Pryce), melhor ator coadjuvante (Hopkins) e melhor roteiro (Anthony McCarten).
Ouça a entrevista completa com Fernando Meirelles: