Convidada para ser a madrinha do aniversário de 30 anos da distribuidora cinematográfica Imovison, a atriz francesa Juliette Binoche visitou o Brasil pela primeira vez neste final de semana. O evento foi realizado no Cinema Reserva Cultural, em Niterói (RJ), na sexta-feira (29). Vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante e do troféu de melhor atriz no Festival de Berlim pelo filme O Paciente Inglês (1996), Juliette, 55 anos, tem em seu vasto currículo filmes como A Insustentável Leveza do Ser (1988), A Liberdade É Azul (1993), troféu de melhor atriz no Festival de Veneza, Chocolate (2000) e Cópia Fiel (2010), com o qual foi laureada no Festival de Cannes.
Para Juliette, também foi a oportunidade de se conectar com a terra de suas raízes distantes: recentemente, ela revelou que familiares seus viveram no Brasil, no século 19 – no caso, um francês branco que teve filhos com sua escrava, gerando uma descendência que foi levada para a França.
Em entrevista a Zero Hora, concedida em um bistrô de Niterói, Juliette, relatou que se sente em dívida por conta desse vínculo.
– Nós todos temos direitos a nossas escolhas, seja do nosso trabalho ou do que queremos fazer com o nosso corpo. Nenhuma pessoa deveria ser escravizada. Nenhuma pessoa deveria ser usada. Se pudesse, pediria perdão a cada um desses familiares – lamenta.
A estadia de Juliette no Brasil de seus antepassados foi curta: de sexta a domingo. No evento da Imovision, principal distribuidora de filmes franceses no Brasil, a atriz foi o centro das atenções. Escoltada por dois seguranças, exibiu simpatia e uma leveza contagiantes. Nos dias seguintes, saboreou uma típica feijoada e vibrou com o samba na quadra da Mangueira.
– Gostaria muito de conhecer como são os brasileiros, como eles vivem suas vidas, o interior do país.
A atriz já havia relatado ter alguém que a assusta no Brasil: o presidente Jair Bolsonaro.
– Para mim, um presidente que vem do universo militar já é uma coisa esquisita. Militares e políticos tão próximos... Isso me remete ao Trump. E os dois são amigos. Pelo que eu soube, ele (Bolsonaro) tem sido intolerante ao falar sobre mulheres, negros e índios. Você imagina que, supostamente, um presidente deveria representar todo mundo em seu país. Espero que haja uma virada, uma transformação, e que isso aconteça o mais breve possível.
Um dos planos da Imovision para 2020 é relançar A Liberdade É Azul nos cinemas em versão remasterizada. Dirigido pelo polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996), o longa é o primeiro da Trilogia das Cores (completada por A Igualdade É Branca e A Fraternidade É Vermelha). Na época, Juliette havia sido convidada para participar de Jurassic Park, mas recusou o convite de Steven Spielberg para poder estrelar o filme sobre uma mulher traumatizada em Paris após um trágico acidente em que morrem o marido e a filha. Juliette não se arrepende.
– As atuações, a edição, a música, enfim, tudo é muito exitoso, claro e profundo. Foi uma combinação de talentos para contar a história, trazer a tona suas emoções, mas não qualquer emoção. Inserir a cor preta entre as cenas. Foi maravilhoso entregar uma história que tocou o público – orgulha-se.
Juliette diz ter boas lembranças de trabalhar com Kieslowski, cineasta com fama de "difícil". Há uma história interessante sobre isso. Na filmagem de A Liberdade É Azul, atriz fez uma tomada que pensou estar perfeita. O diretor pediu que a cena fosse rodada novamente. A segunda tomada foi considerada aceitável e Juliette perguntou por que ele achou melhor do que a anterior:"Porque você respirou de forma diferente", recebeu como resposta.
– Apreciei demais a jornada com Kieslowski. Eu nunca sabia o que ia acontecer – resume.
Oscar
Pouco tempo após se destacar em A Liberdade É Azul, Juliette ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel da enfermeira Hana em O Paciente Inglês. Segundo a atriz, não houve grandes mudanças na sua carreira após conquistar a estatueta.
– Mudou o olhar que as pessoas tinham sobre mim. "Juliette Binoche, a vencedora do Oscar" era o meu título (risos). Quando voltei para a França, fui uma espécie de rainha por um tempo. E então eles esqueceram a rainha – diverte-se.
Se você sempre atuar em sua zona de conforto ou atuar por motivos como fama e dinheiro, vai ser difícil se sustentar. Mas se você sempre disser sim para a arte, para o desafio, para o risco e procurar se renovar, tudo vem ao seu tempo
JULIETTE BINOCHE
Para Juliette, esses movimentos fazem parte do jogo:
– A vida como atriz pode ter altos e baixos, não se pode levar para o lado pessoal.
Entre esses baixos, estão as dificuldades que as atrizes relatam para conseguir bons papéis após os 40 anos.
– Em Hollywood continua sendo difícil conseguir um bom papel mesmo com 25 anos (risos). Há expectativas diferentes da indústria para as atrizes e para os atores. Você precisa desenvolver a si mesma. Acho que não depende da idade, mas sim de como as mulheres são vistas – avalia.
Juliette destaca que para conseguir um bom papel é necessário assumir alguns riscos.
– Se você sempre atuar em sua zona de conforto ou atuar por motivos como fama e dinheiro, vai ser difícil se sustentar. Mas se você sempre disser sim para a arte, para o desafio, para o risco e procurar se renovar, tudo vem ao seu tempo. Esse foi o jeito que experimentei. Eu não me achava especialmente talentosa, mas acho que trabalhei duro. Essa foi a diferença – reflete.
Projetos
Aos 55 anos, Juliette está cheia de projetos. Um de seus filmes mais recentes, ainda sem previsão de estreia no Brasil, é La Vérité (A Verdade), coprodução entre França e Japão. É um drama sobre relação de desavenças e mágoas entre mãe e filha. O longa é dirigido por Hirokazu Koreeda – vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano passado com Assunto de Família. Para a atriz, o cineasta japonês é um verdadeiro escritor.
– Me remete ao Anton Tchékhov (dramaturgo e escritor russo, 1860–1904). Ele vê as pessoas tanto pelo lado sombrio quanto pelas suas partes iluminadas. Proporciona para cada um diferentes ângulos do que podemos ser. Nunca impõe nada, ele simplesmente te convida para o seu mundo. Ele continua escrevendo entre as cenas, escreve sequências novas, o que eu adoro. Muda as cenas toda manhã (risos). Eles nos deixa trabalhar tranquilamente – descreve.
Juliette vive a filha e sua mãe é interpretada pela lendária atriz francesa Catherine Deneuve.
– Eu a assistia a seus filmes desde criança. Eu estou vivendo um belo conto de fadas atuando com essa atriz!. No final, nos tornamos próximas. Ela é uma mulher forte, mas também muito carinhosa. Faz o trabalho ficar mais fácil – diz.
Com outros dois longas previstos para 2020, Juliette brinca:
– Meu próximo projeto é não fazer nada (risos). Eu estava há dois meses em férias porque nunca tive férias de verdade. Me sentia culpada por isso. E quando se tem filhos (Juliette é mãe de Raphaël, 26, e Hana, 19), esqueça as férias, é um outro trabalho (risos). É preciso cozinhar, entretê-los, limpá-los. Quando eles crescem, essa fase passa e você pensa: "Ok, agora tenho tempo livre!".
* O repórter viajou a convite da distribuidora Imovision