O filme argentino Vermelho Sol, em cartaz na Capital, funciona como um painel daqueles instantes que antecedem uma tragédia. Ambientado em uma província do interior da Argentina, em meados dos anos 1970, o longa explora as tensões sociais que formataram o golpe de Estado no país em 1976. Com a deposição da presidente Isabelita Perón, uma junta militar assumiria o poder até 1983.
Dirigido por Benjamín Naishtat (de Bem Perto de Buenos Aires), o filme tem foco no cidadão comum da época, explorando de que maneira ele pode ter pavimentado o caminho para os anos posteriores de sangue e terror – ativistas apontam 30 mil mortos e desaparecidos durante a ditadura argentina.
Em Vermelho Sol, esse cidadão comum é personificado por Claudio, interpretado por Dario Grandinetti, conhecido por trabalhos em filmes como Relatos Selvagens (2014) e Fale com Ela (2002). Ele é um advogado respeitado na pequena província onde vive e leva uma vida tranquila com a sua família.
Nos primeiros minutos de filme, Claudio está confortavelmente aguardando sua esposa, Susana (Andrea Frigerio), em um restaurante. Ao deparar com um estabelecimento lotado, um sujeito (Diego Cremonesi) reclama desproporcionalmente pela mesa do advogado, que o responde calmamente. Claudio cede o seu lugar, mas, em seguida, humilha o rapaz com chicotadas psicológicas. Após o escândalo no restaurante e seus desdobramentos, o advogado segue a vida como se nada tivesse acontecido.
Debate
Com fotografia assinada pelo brasileiro Pedro Sotero, Vermelho Sol apresenta paletas de cores quentes, com uma estética que remete a filmes setentistas como A Conversação, de Francis Ford Coppola. Em sua narrativa, o filme trabalha com muitas situações sugestivas: há um grupo de adolescentes que reverberam os esquadrões paramilitares da ditadura argentina; há os caubóis que surgem na província e espelham as relações entre a Argentina e os Estados Unidos durante o período. Isso sem falar na ambiguidade do protagonista, um advogado que desliza para a corrupção e o crime como se fosse um afazer cotidiano.
A primeira cena de Vermelho Sol transmite com eficácia essa ambiguidade do cidadão comum que vemos ao longo de 109 minutos: em um plano estático (uma constante no longa), pessoas saem tranquilamente pela porta da frente de uma casa de classe média alta. Estão carregando objetos. Aproveitam uma oportunidade. Pode-se imaginar que a casa precisou ser abandonada pelos donos abruptamente. Talvez em fuga, talvez por uma força maior. É o começo de um período de trevas na Argentina.
Vermelho Sol terá uma sessão seguida de debate neste sábado, às 19h15min, no CineBancários, com presença dos cineastas Giba Assis Brasil e Leo Garcia.
Cotação: muito bom