O interior do Brasil foi um laboratório na vida da atriz Alli Willow. Filha de um americano com uma armênia e nascida em Paris, a jovem de 29 anos mora no Rio de Janeiro há cinco anos e está vendo sua carreira decolar em duas produções que usam cenários bem distantes das capitais. Em Bacurau, longa nacional vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes e que abriu a programação do Festival de Gramado, ela vive a vilã Kate no meio do sertão, enquanto em O Escolhido, seriado da Netflix ambientado no Pantanal, encarna uma das moradoras do vilarejo. A produção nacional de streaming já confirmou sua segunda temporada.
Alli acredita que atores da nova geração precisam de autoconhecimento e iniciativa, como fez em seus últimos projetos: decidiu bater de porta em porta atrás de uma oportunidade. Tem dado certo.
Em entrevista à GaúchaZH, ela fala sobre o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, além de sua experiência com cultura no Brasil.
São cinco anos morando no Brasil. Como é viver da arte por aqui e por que decidiu vir pra cá? Tem vontade de ir embora ou ficar?
Viver da arte em qualquer lugar é uma sorte imensa, sem dúvida. Agora, viver da arte em um país que você escolheu por intuição e, ao chegar sem falar a língua, é um percurso que carrego comigo como algo que conquistei a passos de formiga, com trabalho diário de coragem e autoconhecimento. Não tenho intenção de ir embora. Sou do mundo. Desejo ter oportunidade de trabalhar em diversos países, mas meu lar é no Brasil. Quando falo que volto para casa, não consigo deixar de visualizar o Brasil. Morei em muitos lugares e me considero uma eterna estrangeira. No Brasil, me sinto em casa.
Além de presenciar o reconhecimento de Bacurau em Cannes, o que sentiu nos bastidores?
Muita gente não me reconheceu já que a caracterização foi bem feita. Mas entrar numa sala de exibição com mais de 2 mil lugares, para representar um filme brasileiro, como atriz franco-americana, foi um marco. Em um momento pensei: "Você chegou até aqui". Foi um passo gigante para minha autoconfiança como artista. Me senti (e sinto até agora) honrada e emocionada de fazer parte, de alguma maneira, desse momento artístico. O festival é um furacão de informações e de encontros. Conversas, filmes e uma sensação de que ainda há muitas páginas para escrever, mas "mudou o livro". Um momento de enxergar aonde chegou e aonde ainda quer chegar.
Por ser uma espécie de vilã, como se preparou para seu personagem em Bacurau?
Filmes com atrizes fortes e masculinas me ajudaram muito, com pesquisas focadas na maneira externa dos personagens para poder justificar escolhas internas. Grande parte desta preparação foi chegar até Parelhas, onde filmamos, com a caracterização e o figurino. Uma vez tendo esses elementos no corpo, comecei a brincar com o meu próprio corpo.
Em O Escolhido, você é uma das moradoras. Por ser um cenário sobrenatural, sentiu uma energia diferente nos sets de filmagem?
A imersão na cidade [no interior do Tocantins e a trama se passa no Mato Grosso] potencializou nossa interpretação. Essa comunidade vive em reclusão. Angelina representa uma mulher que passou graves traumas e que vive uma Síndrome de Estocolmo profunda. Para que o artista possa acessar essas camadas, naturalmente vai entrar em contato com energias mais densas. Gravar no interior sempre é um grande aprendizado sobre o que é o "Brasil de raiz". Cidades grandes do país não representam a nossa realidade.
Você participou do elenco da minissérie Amorteamo, da Globo. O que um trabalho na TV te agregou?
Sou aberta a qualquer plataforma que possa levar minha arte. A televisão, sem dúvida, é mais uma, muito importante, assim como as demais. Por ser uma atividade mais industrial, me refiro ao aspecto do ritmo, ou seja, muitas cenas num mesmo dia, por exemplo. A TV pode contribuir com o ator, dentre outras coisas, principalmente conferindo a ele destreza e velocidade na criação e desenvolvimento do personagem.
Qual é seu maior sonho de carreira? O que falta para você?
Certamente, melhorar como atriz, assim como poder levar meu trabalho para públicos diferentes. No momento, me vejo num crescendo, onde a cada trabalho tenho tido a oportunidade de perceber sutilmente uma evolução. Para um ator, ir além sempre será um desafio e tanto.