Às vésperas de completar 25 anos, a atriz Saoirse Ronan tem uma carreira de números invejáveis: três indicações ao Oscar, quase 30 filmes realizados. Em uma comparação que talvez dê a dimensão do feito, Meryl Streep — que detém o recorde de 17 nomeações ao prêmio máximo do cinema americano — teve sua primeira menção apenas pouco antes de completar 30 anos.
Em papéis tão desafiadores quanto diversos, Ronan faz da versatilidade um triunfo: do vigor adolescente de Lady Bird (2017), perpassando pela elegância de Brooklyn (2015), em trajetória singular impulsionada por Desejo e Reparação (2007), a atriz está de volta aos cinemas, agora no drama histórico Duas Rainhas.
Dirigido por Josie Rourke, diretora teatral, estreante no cenário cinematográfico, o filme conta a história de Mary Stuart (Saoirse Ronan). Rainha consorte da França aos 16 e viúva dois anos depois, a soberana volta em 1561 à Escócia, sua terra natal, para reivindicar o trono ocupado por sua prima, Elizabeth I (Margot Robbie). É na relação ambivalente entre as duas, oscilante entre admiração e rivalidade, que o longa estrutura a sua narrativa.
Como é de se esperar da cartilha de filmes históricos, o espectador terá acesso aos bastidores dos embates da realeza, com as doses habituais de paixão, violência, guerra, sempre mediadas pelos protocolos costumeiros que envolvem as tramas reais.
O diferencial fica por conta da grata leitura feminista que permeia o drama: a sagacidade das mulheres, com seu senso estratégico acurado, terá obstáculos — por vezes, intransponíveis — na ignorância e brutalidade masculinas. No xadrez político das protagonistas, parece triunfar aquela que menos se deixar levar pela mentalidade dos homens.
Às problematizações políticas, somam-se questões caras ao universo feminino da época, que, sem dificuldade, podem ser transpostas à contemporaneidade: maternidade — em constante tensão com as ambições de poder —, liberdade sexual, violência de gênero, além dos tabus e das restrições conservadoras impostas ao corpo feminino.
— Foram discussões instrutivas sobre o quão honestas estávamos sendo sobre o corpo das mulheres e o seu uso, sobre o prazer feminino e a sua definição, além do corpo da rainha como arena política. Senti que era algo que eu nunca tinha visto antes; por isso, queria mostrar. Não há muitas de nós que sabem o que é ser rainha, mas, o que sabemos, com certeza, é sobre a sensação de lutar pelos direitos de nossos corpos — afirmou a diretora Josie Rourke ao The Guardian.
Politicamente incisivo — ainda que baseado em fórmulas um pouco desgastadas de filmes de reconstituição histórica —, Duas Rainhas é também cuidadoso na técnica, com fotografia e cenografia impecáveis, criando a atmosfera ideal para que o talento de sua dupla de protagonistas possa atingir potencial máximo. Assim como Saoirse Ronan, Margot Robbie — mais conhecida por Eu, Tonya (2017), no papel da patinadora Tonya Harding — comprova a sua polivalência artística.
Ao final de duas horas e cinco minutos, Duas Rainhas deixa a impressão de que se beneficiaria de uma duração menor, pois corre o risco de gerar certo cansaço ao longo de seu desenvolvimento. Nada grave, porém, para um filme que acerta em expor como as barbáries de tempos distantes ainda ressoam incomodamente atuais.