A princípio, discutir um filme baseado em fatores externos e incidentes de marketing é um movimento questionável, mas Capitã Marvel, a primeira produção em longa-metragem do Universo Marvel protagonizada por uma heroína, chamou bastante atenção fora dos cinemas antes mesmo de sua estreia. Para começar, é um filme que, a exemplo do que a Marvel já fez com Pantera Negra, que entrou em cartaz em fevereiro de 2018, mês americano da consciência negra, está chegando ao cinema na semana do Dia Internacional da Mulher, alinhando o filme ao quadro político maior da luta feminista contemporânea.
Houve também o recente episódio em que, durante a rodada de entrevistas promocionais, a estrela do longa, Brie Larson, comentou para a reportagem da Marie Claire que gostaria de ver um elenco mais diverso de profissionais de imprensa durante a divulgação, dado que a maioria é composta de homens brancos, o que mostra que pouco mudou nas entranhas da indústria, apesar dos esforços em contrário.
O comentário detonou uma onda constrangedora de manifestações de indignação e campanhas de boicote – a ponto de uma enxurrada de avaliações negativas ter alterado artificialmente a cotação do filme no site especializado Rotten Tomatoes –, o que levou o portal a zerar as avaliações para o filme específico.
Essa onda reversa transformou o longa não apenas em um blockbuster de super-heróis, mas em um ponto de controvérsia política antes mesmo de chegar aos cinemas, gerando a pergunta: como isso se reflete na tela?
Produção é história de origem competente
Capitã Marvel volta ao passado do universo cinematográfico da editora e é ambientado nos anos 1990 (não é informado um ano preciso, mas elementos em cena ajudam a datá-lo na segunda metade da década). A protagonista é vista logo nas primeiras cenas como Vers, combatente de um esquadrão especial do exército da raça alienígena Kree (vista na série Agents of S.H.I.E.L.D. e no primeiro filme dos Guardiões da Galáxia). Treinada por um oficial rígido (Jude Law) e sem memória de sua experiência anterior ao período com os Krees, ela luta para se encaixar na avançada civilização em guerra com outro povo das estrelas, os transmorfos Skrulls.
Durante uma missão que se revela uma emboscada, ela cai nas mãos dos Skrulls e, após algumas experiências liberarem memórias adormecidas, a guerreira se vê de volta à Terra para tentar impedir os planos dos inimigos – uma missão que se torna uma busca pelo próprio passado ao lado de um então jovem Nick Fury (Samuel L. Jackson).
Embora o filme ensaie certo suspense, a própria divulgação já deixou claro que Vers é, na verdade, a piloto humana Carol Danvers, levada ao mundo dos Krees em algum ponto do seu passado, por motivos revelados no decorrer da trama, e que levarão a heroína a rever o que sabia de si mesma.
O filme parte do mesmo ponto de outras produções recentes como Mulher-Maravilha, da DC, ou a série da Netflix Jessica Jones: casar uma aventura de super-heroína com questões que acenam para a representatividade e o papel da mulher em campos majoritariamente dominados por homens: a guerra, o trabalho de investigação, a aviação – ou os próprios quadrinhos. Situações no roteiro enfatizam a luta de Carol por seu espaço, mas o foco nessa premissa perde fôlego no terceiro ato, quando a Capitã descobre a completa extensão de seus poderes e se torna praticamente invencível (um problema também de muitas histórias do Superman).
O filme tem boas credenciais a apresentar: a interação entre os personagens de Brie Larson e Samuel L. Jackson é afinada, embora pareça se desenvolver de modo apressado. Jude Law se diverte em um personagem mais complexo do que aparenta. Mas a estrutura, em flashbacks, não dá muitas oportunidades para que se conheça a personalidade de Carol antes de ser a heroína. Os efeitos visuais são instáveis e seu saldo final está mais próximo de Doutor Estranho, uma aventura de origem competente, do que de um marco cultural de representatividade semelhante a Pantera Negra.