Matteo Garrone reforça, em seu mais recente filme, o dito popular transformado em clichê, mas inescapável para ilustrar um estado de espírito contemporâneo e universal: o homem é o bicho do homem. Dogman, em cartaz nos cinemas, marca a volta do diretor italiano ao tom do realismo social embebido em sangue, consagrado internacionalmente por Garrone em Gomorra (2008), vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. A partir do aclamado livro-reportagem de Roberto Saviano, o cineasta expôs as engrenagens de violência e corrupção movidas pela máfia napolitana.
Dogman tem como destaque Marcello Fonte, ganhador, verá o espectador, do muito merecido troféu de melhor ator no Festival de Cannes de 2018. Seu personagem também chama-se Marcello. É dono de uma modesta estética para cachorros na periferia de uma cidade não identificada – o cenário principal da produção é a cidade litorânea de Castel Volturno, na região da Campânia. Seria exagero comparar o estabelecimento a uma pet shop. É mais um lava-cães de bairro, que mal garante o sustento do tímido e franzino sujeito, pai amoroso, marido responsável e vizinho estimado no local onde convivem trabalhadores e marginais de diferentes calibres.
Por questão de sobrevivência, Marcello cumpre resignado a espinhosa missão que lhe cabe nessa paroquial rede de pobreza e violência que o cerca, como fornecer cocaína ao "amigo" Simoncino (Edoardo Pesce), um brutamontes de poucas luzes que intimida todos ao redor. O parvo Marcello acabará tragado pela descontrolada fúria da natureza que é Simoncino, até descobrir que tem um ponto de ebulição e deixar de se comportar como um cão acuado.
Dogman é livremente inspirado em um caso policial real ocorrido nos anos 1980. A excepcional performance de Marcello Fonte lembra, entre outras, a de Dustin Hoffman em Sob o Domínio do Medo (1971), de Sam Peckinpah. É um homem levado ao limite diante do abuso físico e psicológico que, a horas tantas, se vê capaz de revidar em grau ainda maior a violência da qual é vítima.
Uma característica do cinema de Garrone, entretanto, faz da agonia de Marcello uma experiência exasperante, crível e palpável ao espectador. O naturalismo da encenação despe a espiral de violência dos exageros gráficos e dramatúrgicos recorrentes em tramas de vingança, o que amplia sobremaneira seu impacto. É interessante também observar ainda como o diretor trabalha com a percepção do racional e do irracional, do manso e do feroz, nesse espelhamento do comportamento de cachorros e homens.