Com vinte anos de carreira, Anne Hathaway está acostumada a ser escalada para um tipo específico de personagem.
— Não costumo receber papéis que são definidos pelo olhar masculino. Normalmente, me enviam os de mulheres que vivem e pensam por si mesmas, o quanto é possível neste mundo doente.
Mas, à primeira vista, em Calmaria, o thriller noir de Steven Knight, a personagem de Hathaway parece ter passado a vida satisfazendo os prazeres masculinos. Como Karen, a atriz surge arrasando – longas tranças loiras e olhos sofridos, uma femme fatale de branco – no único bar na Ilha Plymouth. E ela tem uma proposta para seu ex (Matthew McConaughey), capitão de barco que passa por dificuldades: levar seu novo marido violento (Jason Clarke) para pescar e jogá-lo no mar para os tubarões em troca de US$ 10 milhões.
Confira o trailer de Calmaria:
É o primeiro lançamento em um grande ano para Hathaway, que roubou o show de Sandra Bullock e Cate Blanchett em Oito Mulheres e um Segredo. Em maio, ela aparecerá em The Hustle, remake feminino de Os Safados, com Rebel Wilson, seguido por The Last Thing He Wanted, adaptação de Dee Rees do romance de Joan Didion, sobre uma repórter que virou traficante de armas, e Modern Love, série da Amazon inspirada na coluna do The New York Times.
Quando não está no set, Hathaway, 36 anos, vive em Nova York com o marido, o produtor, ator e designer de joias Adam Shulman, e o filho, Jonathan. ("Ele é como manteiga", disse ela, suspirando. "Aqueles momentos em que eles se aninham em você só porque estão com vontade.") Ligando de um local de férias com a família em algum lugar ao norte de Los Angeles, Hathaway falou sobre as atrizes que ainda a impressionam e sobre a câmara de eco masculina de Hollywood.
Aqui estão trechos editados da conversa.
P: Karen é uma mudança dramática nos papéis em que estamos acostumados a vê-la. Você aceitou logo de cara?
R: Fiquei muito surpresa quando recebi o roteiro de Calmaria e descobri que Steven me queria nele. Eu me senti muito honrada e não via a hora de arregaçar as mangas e tingir o cabelo.
P: Sabemos que os segredos espreitam na Ilha Plymouth, e não haverá spoilers aqui. Mas qual foi sua reação ao roteiro quando o leu pela primeira vez?
R: É avassalador. Fiquei tensa. Ficava ansiosa para virar a página e ver o que aconteceria em seguida, pois a história vai ficando mais surreal e emocionante. Realmente, adoro participar de filmes provocantes, que exigem certa dedicação da plateia, uma audiência madura. Uma das minhas coisas favoritas em Calmaria foi como me senti provocada por ele, tanto física quanto emocionalmente.
P: Daqui a alguns meses, você será a vigarista sofisticada na comédia The Hustle. Você precisou de algo mais leve depois de Calmaria?
R: Sabe, nunca pensei que seria capaz de dizer o que estou prestes a dizer: fiz isso por diversão. Parecia que ia ser uma grande diversão e, no geral, acabou sendo.
P: No geral?
R: Eu estava muito segura de que seria capaz de convencer os poderosos de que não deveria fazer o papel de uma britânica, mas sim de uma americana. Achei que tinha conseguido isso até um dia antes das filmagens. Então, precisei fazer a coisa mais difícil no mundo para mim: falar com sotaque britânico. De repente, a coisa foi da sensação de ter um foguete amarrado às suas costas para a sensação de estar em uma corda bamba sem rede de proteção.
P: Você parece gostar de certo suspense cômico, como Daphne Kluger, a atriz narcisista em Oito Mulheres e um Segredo. De onde você tira isso?
R: Bem, foi divertido usar as observações que fiz ao longo dos últimos 20 anos sobre o mundo incrivelmente ridículo das celebridades – e falar tudo com bastante ironia. Interpretá-la foi uma viagem. Adorei representar alguém tão transparente e mesmo assim tão cega em relação a si mesma.
Confira o trailer de Oito Mulheres e um Segredo:
P: Você entrou em Oito Mulheres e um Segredo dizendo: "Não passe vergonha na frente de suas heroínas." Com o que você estava preocupada?
R: Ah, acho que estava preocupada com o fato de que todos iam gostar uns dos outros e secretamente não iam gostar de mim, e eu seria meio que um peixe fora d'água. No passado, deixei minha animação me atrapalhar – eu só queria relaxar e aproveitar a experiência, e não tentar preenchê-la com meu entusiasmo, mas absorver a glória de estar na presença de tantas rainhas.
P: Você sempre contou a história de como estava nervosa ao lado de Meryl Streep em O Diabo Veste Prada – e aqui estou eu, de repente, me sentindo um pouco encabulada a seu lado.
R: Ai, não! Aumente seus padrões. (Risos)
P: Mas, sério, há alguém agora que poderia intimidar você?
R: Sim. Chorei quando conheci Julia Roberts, e não foi tipo 20 anos atrás. Foi coisa recente. É estranho você se ver bem no meio de um lugar desconhecido, um no qual você nem consegue se imaginar, e mesmo assim, de alguma forma, lá está você. Isso às vezes produz – como posso dizer? – estranheza e constrangimento. E estou aprendendo a apenas dizer obrigada e a não transformar isso em uma grande coisa, e me divertir.
P: Você é uma das mais de 300 mulheres no cinema, televisão e teatro envolvidas na iniciativa Time's Up. Qual é sua visão sobre as realizações do movimento no ano passado?
R: Tudo que posso representar é minha própria experiência, e eu ignorava todo o esforço direcionado para manter as mulheres divididas. Agora que encontrei minhas irmãs e nossos braços estão unidos, nunca mais vou soltar.
P: No Instagram, você citou um estudo recente que descobriu que os filmes em que as mulheres são atrizes principais rendem mais do que os estrelados por homens – e mesmo assim a desigualdade salarial ainda é um problema enorme.
R: A razão pela qual eu acho que há resistência é que em Hollywood sempre houve muitos homens que se descrevem como bons, mas que têm estado em câmaras de eco cheias de outros homens que se parecem com eles e que pensam como eles. Isso não faz deles pessoas más, mas significa que as coisas que são ditas nos níveis mais elevados de poder são, por padrão, limitadas.
Discurso de Anne Hathway após receber o Oscar de melhor atriz coadjuvante:
P: Quanto a seu Oscar em 2012, como Fantine em Les Misérables, ele me lembrou que você tem uma voz impressionante. Está cantando muito hoje em dia?
R: Meu filho odeia minha voz. (Muitas risadas.) Ele não gosta quando eu canto. Então, não, não canto. Há algumas músicas de Peppa Pig que ele me deixa cantar e, olha, abuso delas.
Por Kathryn Shattuck