Ruben Östlund costuma ser chamado de "enfant terrible" do cinema nórdico. Ele não gosta do rótulo:
– Enfant terrible eram (Luis) Buñuel, há quase cem anos, ou (Pedro) Almodóvar. Eu tento só ser um crítico ácido da mistificação do mundo atual.
O novo capítulo dessa "acidez crítica" de Östlund é um filme que, desde maio passado, tem dividido a crítica – e colecionado prêmios. The Square – A Arte da Discórdia, em cartaz nos cinemas e que está na shortlist de nove pré-indicados para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Dificilmente deixará de ficar entre os cinco finalistas.
Embora com o risco de parecer blasé, o diretor não supervaloriza a indicação:
– OK, é o Oscar, mas não é mais importante que os prêmios que já ganhamos.
Em maio, em Cannes, o júri presidido por Pedro Almodóvar outorgou a The Square a Palma de Ouro. Dias antes da entrevista por telefone, foi a vez de a Academia Europeia de Cinema atribuir ao filme seis prêmios, incluindo melhor filme, diretor e ator (Claes Bang). Ostlund admite:
– Claes era realmente o melhor, e eu torcia por ele. Mas foi muito bom vencer como melhor diretor. A concorrência foi difícil, porque grandes realizadores foram indicados.
The Square conta a história de Christian. Diretor de um museu de arte contemporânea, ele é um modelo de correção. Divorciado, é pai responsável de duas filhas, dirige um carro elétrico, para evitar a poluição, e apoia todas as boas causas. Tudo isso parece perfeito – parece. A nova instalação de Christian no museu chama-se O Quadrado, daí o título. É um espaço do altruísmo e da igualdade, para estimular a responsabilidade das pessoas. Pena que ocorram duas coisas. 1) o celular de Christian é roubado e ele responde ao fato de forma emocional, irracional, colocando em xeque a própria civilidade; e 2) os responsáveis pela publicidade do museu organizam uma campanha radical para promover O Quadrado, e o resultado é que chocam a opinião pública. O museu, e Christian, entram em crise. É o colapso do mundo organizado. Instala-se a arte da discórdia.
Östlund conta a origem de tudo:
– Nenhum filme nasce de uma só coisa. Aqui, a origem foi o roubo do celular de um amigo. Ele não chegou ao extremo de Christian, mas o fato ficou borbulhando na minha cabeça. Somou-se a outra coisa. Em 2008, surgiu na Suécia a primeira comunidade fechada. Um condomínio de alta segurança, ao qual só se tem acesso com autorização dos proprietários. Houve muita discussão, porque o fato expôs o que não deixa de ser um problema social – as classes privilegiadas estão se isolando. E isso ocorre num momento em que, na Europa, as pessoas estão cada vez mais individualistas e centradas, a dívida pública aumenta, o governo reduz os investimentos sociais e o abismo entre pobres e ricos tornase um verdadeiro escândalo.
Filme reflete uma suécia onde cresce o isolamento
Östlund destaca:
– Estamos falando da Suécia, que é considerada um dois países mais igualitários do mundo, mas onde o desemprego, como em toda parte, aumenta. As pessoas temem ver seu status social declinar, passam a se isolar e a competir. E esse sentimento de impotência se reflete não só na desconfiança como na rejeição do papel do Estado. Essa falta de confiança motivou um projeto – The Square – que o produtor Kalle Boman e eu desenvolvemos e iniciamos em Varnämo, onde se tornou uma instalação permanente. O Quadrado é o espaço da igualdade, onde todos os cidadãos têm os mesmos direitos e responsabilidades. Tornou-se parte da vida cotidiana, e hoje as pessoas vão ao quadrado para protestar, formalizar pedidos de casamento, etc. O filme nasceu disso, e claro, sendo uma sátira, as coisas ficaram cada vez mais complicadas para Christian, suas reações foram se tornando menos cidadãs. Tem gente que diz que começou (vendo o fime) rindo, mas terminou se engasgando no mal-estar.
É o que Östlund busca:
– Nada me dá mais satisfação do que quando me dizem que ficaram horas discutindo o filme.
A culminância é uma performance de Terry Notary, que regride a um estado primitivo, comportando-se como um macaco no meio de uma festa. No fundo, tudo em The Square é sob medida para subverter o mais sacrossanto dos conceitos da sociedade atual, tão hipócrita que finge ser igualitária – o politicamente correto.
–Para mim, a equação é simples: se você confia nos outros, e a confiança é recíproca, todo mundo vive bem. Onde há desconfiança, o clima é de disputa e os poderosos possuem sistemas repressivos para fazer valer seus direitos. Tal é o mundo, e as coisas só pioram. Gostaria que fosse diferente, mas não invento nada. Meus filmes espelham o que sinto, e vejo – afirma Östlund.
* Estadão Conteúdo