O Festival de Cinema de Gramado começou barroco. Não por conta de algum fausto ou excesso decorativo da festa serrana, mas pela trilha sonora: depois de reger a Orquestra Sinfônica de Gramado na Rua Coberta na sexta-feira à tardinha, abrindo os trabalhos desta 45ª edição, o maestro e pianista João Carlos Martins – um dos maiores intérpretes de Johann Sebastian Bach no século 20 – foi o tema do início do evento. João, o Maestro foi o primeiro filme exibido no Palácio dos Festivais, fora do concurso. A cinebiografia dirigida por Mauro Lima – realizador de longas como Meu Nome Não É Johnny (2008) e Tim Maia (2014) – acompanha a trajetória do músico da infância à atualidade, tentando entender como o traço obsessivo do protagonista é central em sua vida, para o bem e para o mal.
Martins, cuja brilhante carreira internacional como solista foi abortada por sucessivos acidentes e problemas com as mãos, é encarnado no filme por Rodrigo Pandolfo e Alexandre Nero. Se ambos impressionam na caracterização do perfilado e são plenamente convincentes ao piano – o que não é pouca coisa em se tratando de dublar as performances de um solista de alto nível –, o gaúcho Pandolfo brilha mais na tela: conhecido do público por papéis cômicos como o que interpreta nos filmes Minha Mãe É uma Peça, o jovem ator impressiona pela riqueza nuançada que imprime ao personagem que interpreta e por sua performance ao piano. João, o Maestro deve entrar em cartaz na Capital na próxima quinta-feira.
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Já a competição de longas-metragens brasileiros teve dois títulos exibidos na sexta-feira e no sábado: O Matador e Como Nossos Pais. Primeiro filme brasileiro produzido pela Netflix, O Matador foi dirigido por Marcelo Galvão, premiado em Gramado com os Kikitos de melhor filme por Colegas (2011) e diretor com A Despedida (2014). O cineasta se envereda pelo filme de cangaço influenciado mais pelo faroeste à italiana e os pastiches do norte-americano Quentin Tarantino do que por referências brasileiras como os paradigmáticos Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, ou O Cangaceiro, de Lima Barreto. O resultado do longa-metragem projetado na sexta, porém, fica no meio do caminho: com uma trama confusa e excesso de personagens cuja maioria não ganha estofo ao longo da história, o filme decepciona tanto como bangue-bangue divertido quanto como retrato da injustiça e da exploração nos grotões do Brasil. Segundo o diretor Galvão, O Matador entra no catálogo da Netflix até o final do ano – e não deve ser exibido nos cinemas.
O destaque do sábado, que teve também o uruguaio Mirando al Cielo abrindo a disputa dos longas estrangeiros, foi o brasileiro Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky – diretora de Bicho de Sete Cabeças (2000) e As Melhores Coisas do Mundo (2010). O filme sobre as atribulações de uma jovem mãe, interpretada com comovente entrega por Maria Ribeiro, foi muito bem recebido pelo público – e já desponta como um dos favoritos aos Kikitos.
A história de Rosa, mulher de classe média casada e com duas filhas que subitamente tem que lidar com duas revelações dramáticas confessadas pela mãe, aborda temáticas candentes como feminismo na contemporaneidade, modelos familiares estagnados, fidelidade, machismo e monogamia. Além do roteiro bem amarrado por Laís e Luiz Bolognesi, parceiros de vários filmes que já foram casados, o drama destaca-se ainda pela homogeneidade das atuações do elenco, com destaque para Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Jorge Mautner – impagável como o pai de Rosa, um artista plástico viajandão como ele mesmo –, e em especial Maria Ribeiro, favorita desde a largada ao prêmio de melhor atriz do certame. Como Nossos Pais, que estreou no Festival de Berlim deste ano, entra em cartaz no país na próxima quinta-feira.