Quem é o sujeito que morreu em 2070 aos 111 anos e tinha como característica biológica a impossibilidade de mentir? Reconstruir, em um futuro próximo, o passado de um personagem nunca visto é a proposta de Carlos Gerbase em Bio, longa-metragem que apresenta nesta quinta (24) na mostra competitiva nacional do 45º Festival de Gramado.
Para isso, o diretor gaúcho montou um mosaico de depoimentos com 39 pessoas ligadas à vida do protagonista: mãe, pai, irmãos, esposa, colegas de trabalho, amigos e amante. Rodado em um estúdio de Porto Alegre entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, Bio reúne no elenco nomes como Maria Fernanda Cândido, Rosanne Mulholland, Bruno Torres, Maitê Proença, Marco Ricca, Tainá Müller e atores e atrizes conhecidos da dramaturgia local.
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Com produção da Prana Filmes, Bio é o sétimo longa de Gerbase, nome de frente da geração que despontou no cinema gaúcho nos anos 1980. A combinação de ficção e documentário da narrativa mostra a disposição do realizador e também professor para manter acesa a contínua experimentação audiovisual – seguindo um modelo que permita combinar a qualidade da produção com o baixo custo da realização – o longa tem orçamento estimado em R$ 1,2 milhão.
Diferentemente de seus longas anteriores, 3 Efes (2007) e Menos que Nada (2012), com argumentos que partiram de questões acadêmica e literária, respectivamente, Bio tem origem "cinematográfica", explica Gerbase:
– Desta vez, a matriz é um pouco diferente. Nem acadêmica, nem literária. Sou um ficcionista, mas admiro muito o cinema documental, conheço sua história, dou aula na universidade sobre os clássicos do gênero. Então, a partir de um fiapo de história que eu tinha há tempo no computador (um homem que, com uma mutação genética, sente muita dor quando tenta mentir), resolvi brincar com a estética do documentário, mais especificamente com os filmes construídos com "talking-heads". Pouco a pouco, o enredo foi encontrando essa forma narrativa, a brincadeira foi se estendendo e ficando mais ambiciosa, de modo a narrar a existência de 111 anos desse homem através de muitos relatos ao longo do tempo.
Montagem durou mais de um ano
Segundo o diretor, atores e atrizes receberam o roteiro completo, e não apenas o de suas partes no painel biográfico do personagem central:
– Gosto de discutir com o elenco todos os aspectos do filme, ouço sugestões e ensaio bastante. Atrizes e atores são cocriadores, e não marionetes sem cérebro. Em Bio, incorporei várias ideias que surgiram desse diálogo, não só com o elenco, mas também com a equipe. O roteiro parecia mesmo ser complexo, diferente, mas, à medida que a ideia foi entendida, e que elenco e equipe acreditaram no potencial dramático da história, aconteceu um trabalho coletivo em que todos puderam colocar seu talento na empreitada. O filme foi crescendo com as ideias da direção de arte (Bernardo Zortea), da fotografia (Bruno Polidoro), da montagem (Milton de Prado) e da trilha (Augusto Stern e Fernando Efron). A Luciana Tomasi, como produtora-executiva, também foi decisiva para bolar um esquema de realização capaz de tirar o máximo dos nossos recursos no estúdio, com uma rotatividade de elenco extraordinária e muitas trocas de cenário.
A montagem de Bio, destaca Gerbase, durou mais de um ano:
– Foi um trabalho cuidadoso, que num primeiro momento seguiu o roteiro e depois fez pequenas, mas importantes, subversões. O Milton tem grande sensibilidade para o desempenho dos atores e atrizes, o que nesse filme foi fundamental. Como eu trabalhei também com improvisações em praticamente todas as cenas, com o elenco "esquecendo" o que estava escrito e vivendo cada personagem como se fosse mesmo uma entrevista, ainda havia esse desafio de comparar o que tinha sido ensaiado com o que saía de forma mais espontânea. Por outro lado, havia muito material dramático para selecionar, mas quase nenhuma chance de intervir na narrativa, que foi toda costurada no roteiro. O que fizemos, mais na reta final da montagem, foi enriquecer o filme ao máximo em aspectos visuais e sonoros.
Após a première nesta quinta no Palácio dos Festivais, Bio cumprirá o circuito de festivais. Gerbase ainda não tem previsão da estreia do longa nos cinemas.