Após cruzar a Croácia de ponta a ponta, a equipe do filme Depois de ser Cinza encontrou na chuvosa Porto Alegre a cor e o clima para ressaltar a melancolia que perpassa a narrativa do primeiro longa-metragem do porto-alegrense Eduardo Wannmacher. Entrando em sua última semana de filmagem, a produção é um drama que acompanha a jornada de um antropólogo, Raul, por três relacionamentos amorosos ao longo de cinco anos, cada qual responsável por marcas e fissuras que desenham uma ciranda de aproximação, afastamento e busca entre os quatro personagens.
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Quem interpreta o protagonista é João Campos, recentemente visto no papel de Elio na novela da Globo A Lei do Amor. As três mulheres que se embaralham na narrativa são vividas por Elisa Volpatto (Isabel), Branca Messina (Suzy) e Silvia Lourenço (Manuela). Realização da produtora Pironauta com roteiro de Leo Garcia e previsão de estreia nos cinemas para 2018, Depois de ser Cinza começou a tomar forma em 2009, quando seu projeto foi contemplado no Prêmio Santander para desenvolvimento longas-metragens – na mesma edição que premiou também Mulher do Pai, de Cristiane Oliveira, que vem cumprindo premiada trajetória em festivais.
– O roteiro do Leo apresentava a necessidade de deslocamento para um lugar distante do Brasil. Encontramos na Croácia produtores interessados na projeto e creio que fomos os primeiros brasileiros a firmar essa parceria cinematográfica – diz Wannmacher.
Em 2010, Leo Garcia passou um temporada na Croácia mapeando locações. Agora em 2017, ao longo de duas semanas de maio, foram registradas cenas nas cidades croatas de Zagreb, ao norte, e nas litorâneas Zadar, no oeste, e Dubrovnik, no extremo sul. Na história, o país balcânico foi o destino da artista plástica Isabel quando decidiu recomeçar a vida fora do Brasil.
Realizador de curtas-metragens como o premiado Um Dia como Hoje (2007), Wannmacher, 43 anos, é professor de cinema na Famecos/PUCRS. O diretor brinca que realizar seu primeiro longa "depois de velho" traz como vantagem aliar a maturidade pessoal e profissional à densa proposta dramatúrgica de Depois de Ser Cinza:
– Estou envolvido com cinema há mais de 20 anos. Trabalhei em longas-metragens de amigos e aprendi muito com eles. Também passei um período trabalhando em Passo Fundo e acabei me dedicando mais à vida acadêmica. Mas valeu a pena esperar. Sinto que estou pronto para dirigir um filme como esse, que vejo amadurecer e tomar forma desde 2010, com a primeira versão do roteiro. O interessante é que o roteiro teve nesse tempo 11 tratamentos, e o núcleo da história permaneceu sempre o mesmo. As três atrizes estão escaladas desde o começo, e o João foi uma grande surpresa que apareceu no caminho, quando ele estava fazendo a novela.
Nascido em Brasília, João Campos, 32 anos, tocou em paralelo por um tempo a carreira de ator, iniciada no cinema e no teatro em 2004, com a rotina na redação de um jornal. Formado na UnB, o jornalista trabalhou por quatro anos na editoria de Cidades do Correio Brasiliense. Chegou à Globo em 2014, com um papel na minissérie Felizes para Sempre? e ganhou projeção com sua participação em A Lei do Amor.
– Gostei da experiência da TV, que tem um ritmo mais industrial, e espero repeti-la. Em Depois de Ser Cinza faço meu primeiro protagonista em longa. O Raul é um personagem muito rico, que carrega com ele um deslocamento que é emocional e também geográfico – explica Campos, que veio à Capital duas semanas antes de começar a etapa local das filmagens. – Procurei fazer uma imersão no mundo do personagem. Durante minha formação como jornalista, eu me interessava muito por ciências sociais. O clima de Porto Alegre nesta época do ano tem muito a ver com a melancolia do personagem. Assim que cheguei, comecei a conviver com o pessoal da Antropologia da UFRGS.
Na sexta-feira passada, a Fundação Iberê Camargo foi locação para a sequência em que Raul e Suzy, na trama uma antropóloga carioca radicada na Capital, participam de uma confraternização e de um seminário com o jornalista e sociólogo Muniz Sodré, nome referencial nos estudos de teoria da comunicação.
– É a invasão da realidade na ficção. Quando surgiu a ideia da cena, fiz questão que fizéssemos uma palestra de verdade com o Muniz Sodré, autor que estudei muito na minha formação acadêmica. Existe no filme questões étnicas e raciais que têm relação com o trabalho dele. Foi uma palestra de verdade, de 40 minutos, e a plateia era formada por estudantes de antropologia.