O extermínio dos índios é uma chaga social cujo debate se faz cada vez mais urgente, dado o crescimento recente das forças conservadoras, notadamente da bancada ruralista no Congresso Nacional. Ao menos não se pode dizer que o tema não tem tocado a produção cultural. Além de ter motivado a produção do filme brasileiro do ano até aqui (Martírio, de Vincent Carelli, leia crítica aqui), o assunto está em outros lançamentos recentes, caso do livro Os Fuzis e as Flechas: A História de Sangue e Resistência Indígenas na Ditadura (Cia. das Letras), do jornalista Rubens Valente, e também do documentário de longa-metragem Taego Ãwa, que estreia nesta quinta-feira (11) em Porto Alegre, no CineBancários, no Guion Center e no Espaço Itaú (nesta última sala com sessão apenas na quarta-feira que vem, dia 17).
O longa dos irmãos Henrique e Marcela Borela surgiu quando ambos encontraram cinco filmes em fitas VHS na Universidade de Federal de Goiás. Esses filmes mostram o povo Avá-Canoeiro, os Ãwa nativos da região de Formoso do Araguaia (TO), em atividades cotidianas e em contato com o homem branco que seria o seu algoz. Usando-as em uma narrativa que mescla imagens históricas e atuais – as mais antigas ilustrando o que os remanescentes dessa etnia contam hoje sobre o seu passado –, a dupla reconstrói o seu percurso, com especial atenção para a perseguição sofrida nos anos 1970, momento definidor de seu trágico destino.
São poucos os sobreviventes dos Avá-Canoeiro, alguns sem contato com os brancos, o que faz Taego Ãwa filiar-se a uma corrente prolífica dos documentários indígenas brasileiros que tem entre seus destaques outro título de Vincent Carelli: o vencedor do Festival de Gramado Corumbiara (2009), que narra o massacre na gleba homônima, em Rondônia. Os dois longas falam do extermínio de povos específicos. Mas é como se falassem de maneira mais ampla: há muitos outros casos como os dos Avá-Canoeiro, espalhados não apenas por Rondônia e Tocantins, mas por todo o continente latino-americano.
Uma escolha interessante por parte dos diretores foi pôr os mais velhos a contarem histórias não necessariamente para a equipe do filme, e sim para os índios mais jovens, dando uma ideia mais clara de perpetuação de seus costumes. Outra: a maneira orgânica com a qual misturam-se as imagens contemporâneas e as mais antigas, sem distinções formais, o que quebra certas noções de tempo.
Em um trecho, a montagem deliberadamente associa cenas de assassinatos de índios e de riquezas extraídas da terra, que estariam sendo vistas pelos próprios Avás-Canoeiros na televisão, a uma invasão da tribo a gabinetes Brasília, onde foram exigir a demarcação de suas terras.
Há lógica de causa e efeito, uma lógica quase didática, nesse encadeamento proposto por Henrique e Marcela Borela. Não há, paradoxalmente, explicações sociologizantes – nem mesmo vitimistas. Taego Ãwa configura-se como mais um entre vários filmes-denúncia realizados recentemente, mas a maneira com que apresenta ao espectador a questão, e a fruição que decorre daí, tornam a experiência de assisti-lo particularmente instigante.
É uma questão de dispositivo, como definiriam os teóricos da linguagem. Uma questão muito bem respondida pelos dois irmãos realizadores.
TAEGO ÃWA
De Henrique e Marcela Borela
Documentário, Brasil, 2016, 75min.
Em cartaz em Porto Alegre a partir de quinta (11) no CineBancários, no Guion Center e no Espaço Itaú (nesta última só na quarta-feira, dia 17).
Cotação: bom.