Faces de uma Mulher, estreia desta quinta-feira (25) nos cinemas, tem este título ruim apenas no Brasil. O original em francês, Orpheline, ou "órfã", é menos literal na descrição do dispositivo usado pelo diretor e roteirista Arnaud des Pallières, mas mais fiel ao que o filme quer discutir – a condição da mulher desassistida em uma sociedade bastante hostil.
De Des Pallières conhecemos Michael Kohlhaas – Justiça e Honra (2013), que já deixava claro seu gosto por histórias de injustiça forjadas por grandes personagens em contextos desfavoráveis. Em Faces de uma Mulher, quatro atrizes (destaque para Adèle Haenel, de O Homem que Elas Amavam Demais, e Adèle Exarchopoulos, de Azul É a Cor Mais Quente) interpretam mulheres que, ao que tudo indica, são uma só.
Aí é que começa o enrosco – no bom sentido, pois trata-se de uma narrativa amarrada de maneira muito estimulante. As quatro não têm o mesmo nome. O que estabelece, de cara, uma certa confusão. Mas o "problema" é superado quando ficamos sabendo que sua identidade atual é falsa. Por quê? À medida que reconstrói o caminho que ela percorreu – e que a levou a viver desse jeito –, Des Pallières apresenta suas respostas.
Não cabe aqui antecipar os muitos e graves problemas que ela viveu (de spoiler já basta o título nacional, que entrega antes da hora que se trata da mesma pessoa), mas é possível adiantar pontos importantes da dramaturgia de Faces de uma Mulher. Um deles envolve o apelo sexual. Karine, Kiki quando criança (vivida por Vega Cuzytek nos primeiros anos e Solène Rigot na fase adolescente), usou a beleza ao mesmo tempo como escudo protetor e forma de libertação.
Na verdade, esse é o ponto fraco do roteiro de Des Pallières e Christelle Berthevas: as relações de causa e efeito são óbvias – parece que a dupla quer justificar, a todo instante, as atitudes de sua protagonista.
Mas, é importante ressaltar, a estrutura narrativa do filme, com suas longas elipses e seus silêncios (trechos ocultos, não ditos, não necessariamente sem diálogos), tornam a fruição rica.
A própria confusão que se estabelece dada a falta de similaridade aparente entre as atrizes faz pensar além da trajetória de uma única mulher – em pelo menos algum breve momento o espectador se questiona se é, de fato, a mesma personagem, ainda que já tenha iniciado a sessão com garantias prévias de que, sim, Karine é Kiki e também é Sandra e também é Renée. Karine, de certo modo, é muitas mais.
Facilita essa percepção a mudança de personalidade da protagonista sempre que entra em nova fase – e é encarnada por uma nova atriz. A coerência psicológica persiste, o que não impede Karine de se adaptar a determinadas circunstâncias. Com essa relativa liberdade, e amparadas por ótimos coadjuvantes (Gemma Arterton, a Tara, principalmente), as intérpretes brilham. Acompanhá-las, a despeito do contexto difícil, dolorido, acaba sendo um prazer.
FACES DE UMA MULHER
De Arnaud des Pallières
Drama, França, 2016, 111min, 16 anos.
Em cartaz em Porto Alegre no Guion Center e no Espaço Itaú.
Cotação: bom.