Apaixonado por cinema, João Gilberto Noll costumava dizer que os filmes que assistia desde criança o inspiravam a buscar na sua escrita caminhos para além do realismo. Aos 34 anos, o autor gaúcho foi apresentado ao Brasil com o volume de contos O Cego e a Dançarina (1980), uma das mais importantes coletâneas do gênero daquela década na literatura nacional. Dela faz parte Alguma Coisa Urgentemente, adaptado para o cinema pelo diretor Murilo Salles em Nunca Fomos Tão Felizes (1984).
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Primeiro longa-metragem de Salles e vencedor do prêmio de melhor filme do Festival de Brasília, Nunca Fomos Tão Felizes é um dos títulos mais emblemáticos do período de redemocratização do Brasil, nos estertores da ditadura militar (1964 – 1985). Tem como personagens um ex-guerrilheiro que aderiu à luta armada (Cláudio Marzo) e o filho de quem ele busca se aproximar (Roberto Bataglin) após anos vivendo na clandestinidade.
– Não me achava maduro para publicar até então. E esse livro, O Cego e a Dançarina, saiu de um fôlego só – disse Noll em entrevista a ZH. – Eu o escrevi como um livro de contos, não eram histórias esparsas que eu já tinha. Aproveitei uma época em que estava desempregado, e morava no Rio de Janeiro, e me fechei para escrever esse livro. Nem abria a janela, ficava com luz artificial o tempo inteiro, para me concentrar mais. Não sabia que escrever, para mim, seria assim, muito mais pautado no inconsciente.
Outro bom filme adaptado da obra de Noll é Hotel Atlântico (1989), no longa homônimo apresentado em 2009 pela diretora Suzana Amaral. A transposição de linguagem buscou preservar a experiência sensorial proposta pelo autor, que mais intriga do que responde. Na trama, o gaúcho Júlio Andrade vive o protagonista, conhecido como Artista, ator com passado de fama que decide largar tudo e cair na estrada rumo ao sul do Brasil. E a cada etapa da jornada encontra personagens tão enigmáticos quanto perigosos. Numa construção narrativa que flerta com o fantástico, a realidade e o delírio, o começo e o fim caminham lado a lado.
– Depois de filmes clássicos convencionais, com o ponto de vista feminino, eu queria partir para outro modelo de narrativa, arriscar uma nova linguagem – disse a diretora a ZH à época do lançamento do longa. – Encontrei no livro do Noll o projeto ideal para essa mudança, especialmente para trabalhar com a linguagem não realista que eu perseguia.
Noll também comentou a adaptação:
– Hotel Atlântico me deixou sob forte emoção. Filme magistral, que vai se adensando pelo Brasil profundo. A gratuidade das coisas perpassa tudo, cena a cena. É a força do acaso, como, aliás, no livro. Estou felicíssimo por ser o ponto gerador inicial dessa narrativa. Não tem obviedades sociológicas. Apenas uma fábula da caminhada sedenta dos órfãos da administração concêntrica dos dias.
Romance lançado por Noll em 1993, Harmada também virou filme, dirigido por Maurice Capovilla, que valeu a Paulo César Pereio o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília – vivendo um ator fracassado que vaga sem rumo por um país da América Latina com seu comportamento libertário e amoral. Harmada não ganhou lançamento comercial em Porto Alegre.
A partir de A Fúria do Corpo (1981), primeiro romance do escritor, Marcelo Laffitte realizou o premiado curta Fúria (2006). Entre outras adaptações da obra de Noll anunciadas, mas não levadas adiante, está Canoas e Marolas (1999), projeto de Murilo Salles.