Erguer muros para proteger-se ou isolar-se do mundo exterior voltou a ser tema de debate geopolítico com a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A Grande Muralha, filme que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, investe na fantasia para tornar personagem aquele que é o maior e mais imponente dos muros, a milenar construção que serpenteia a China. Não trata-se de conjunto único. Diferentes blocos foram erguidos e destruídos entre 220 a.C e o século 15. Estima-se que tenha alcançado mais de 20 mil quilômetros de extensão ao longo dos séculos e hoje tem comprimento calculado em 8,8 mil quilômetros.
"Moonlight" mostra jornada de um jovem em meio à violência e à intolerância
Veja o especial sobre o Oscar 2017
A exaltação a esse patrimônio da cultura e da engenharia chinesas não poderia deixar de ser superlativa. A Grande Muralha é o mais caro filme produzido na China (orçamento de US$ 150 milhões) e tem como diretor o aclamado Zhang Yimou, um dos responsáveis por projetar o cinema desse país no Ocidente assinando filmes premiados como Sorgo Vermelho (1987), Lanternas Vermelhas (1991) e Tempo de Viver (1994).
Para garantir alcance e faturamento globais, buscou-se uma co-produção com os Estados Unidos, daí a escalação como protagonista de um astro de Hollywood, Matt Damon. A presença do ator foi alvo de críticas na China, acalorando um debate sobre outro tema em voga, a apropriação cultural. Precisou um time de seis roteiristas, entre eles os diretores americanos Tony Gilroy e Edward Zwick, para criar a história que tenta amarrar duas culturas pegando carona no clima fantástico-medieval de sucessos como O Senhor dos Anéis e Game of Thrones. Não deu muito certo.
A bizarra trama acompanha dois mercenários europeus, William (Damon) e Tovar (o chileno Pedro Pascal) que chegam à China do século 11 em busca do mítico e poderoso pó negro, como chamavam a pólvora, invenção dos alquimistas locais de grande serventia militar. A dupla é aprisionada em uma seção da muralha que tem como personagens de destaque a guerreira Lin (Jing Tian) e o estrategista Wang (Andy Lau, grande ídolo do cinema oriental). Para justificar os protagonistas chineses falarem inglês, o enredo coloca ali um outro estrangeiro curioso aprisionado décadas antes, Ballard (William Dafoe).
William e Tovar percebem que chegaram bem no instante em que criaturas ferozes com aparência de lagartos lançam um ataque sobre a China. Esta é a explicação para a construção da muralha, que já não se mostra tão intransponível dada à inteligência que esses seres adquiriram. William opta por se juntar à resistência, amolecido pela determinação dos chineses e também pela bela Lin. Tovar e Ballard querem aproveitar a batalha para fugir com o pó negro.
Yimou tem como marca produções de época visualmente suntuosas. A partir dos anos 2000, fez uso desse requinte em bons filmes de ação como Herói e O Clã das Adagas Voadores. Mas seus trabalhos recentes acabaram sucumbindo à grandiloquência estéril. Mostra em A Grande Muralha que não perdeu a mão para criar espetáculos visualmente deslumbrantes trabalhando em grandes cenários com milhares de extras. Porém, engessado pela trama bizarra, pelo excesso de computação gráfica e pela missão de ser diplomático no espaço dado a atores chineses e estrangeiros, o diretor faz o apuro visual naufragar numa frágil e pirotécnica narrativa. Esse filme híbrido que tenta abarcar plateias de diferentes culturas tem o DNA de um ambicioso produto de marketing. Embora preserve traços de um talentoso esteta como Yimou, A Grande Muralha foi moldado na forma dos anódinos blockbusters de ação de Hollywood.