Estrela negativa seria a cotação mais adequada para A Cura, filme de Gore Verbinski em cartaz nos cinemas. Que desperdício dos talentos de Dane DeHaan e Jason Isaacs, de dinheiro e de tempo – o nosso e o de quem bancou esse terror (no duplo sentido).
(Atenção: o texto abaixo contém SPOILERS, ou seja: se você já está com um pé atrás, talvez seja o caso de ler para colocar o outro pé para trás também)
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Fico imaginando os bastidores da produção, as conversas prévias que deram sinal verde para um dos mais pretensiosos abacaxis que eu já vi. Com alguns sucessos no currículo – O Chamado, a franquia Piratas do Caribe –, compreensível que Verbinski tivesse ouvidos ao relatar sua ideia:
– A história é a seguinte: um ambicioso jovem executivo precisa cumprir uma tarefa para limpar sua barra: buscar o chefão da firma em que trabalha, hospedado em uma clínica retrô e algo estranha nos Alpes Suíços.
– Hum, interessante! Tem um quê de Drácula, não?
– Isso. E um tanto de O Iluminado também: o castelo onde fica a clínica é assustador por si próprio e foi cenário de uma tragédia no passado, envolvendo a família de um barão meio louco, incesto e experiências genéticas à la nazismo.
– Bá, um caldeirão de clichês das histórias de horror...
– Sim, mas tudo embalado em uma estética elegantérrima.
– Sei não, Gore...
– O roteiro ainda não está fechado...
– Não está fechado?
– Não, mas a gente fecha. Acho que podemos ir filmando e vendo onde vamos parar.
– Um work in progress?
– Isso! Dá um verniz artístico, não?
– É, Gore. Mas talvez necessite de mais do que isso.
– Não se preocupem. Posso acrescentar uma camada de crítica social...
– Crítica social sempre pega bem!
– ...Na questão dos pacientes da clínica: todos altamente bem-sucedidos no mundo corporativo, mas desconectados da humanidade.
– Mas eu já vi esse filme, aliás, essa história é velha, meio Charles Dickens.
– Mas não viu o filme que eu vou fazer. Nele, o protagonista, cético, vai confrontar o status quo da clínica, só que, a certa altura, o rapaz começa a rever seus traumas e se questionar: será que estou ficando louco?
– Ah, tipo o que o Scorsese fez em A Ilha do Medo?
– Isso, bem lembrado. (Pausa para anotar num Moleskine: "forçar a mão em teorias conspiratórias".)
– Bom, Gore. Desculpe perguntar de novo, mas como termina tudo isso?
– Calma que vamos chegar lá.
– E quanto tempo vamos levar para chegar lá?
– Umas duas horas e meia.
– Duas horas e meia?!?
– Sim, para, novamente, evidenciar a ambição artística do filme.
– Mas não vai ficar um filme chato, arrastado?
– Não, porque vou encher de cenas de susto e/ou de impacto, com enguias, coveiros, enfermeiras, cadeiras de dentista... Mesmo que a pessoa já não esteja mais envolvida com a história, os sustos vão mantê-las acordadas, hahaha!
– Boa essa, Gore. E o vilão, é assustador?
– Com certeza. Mistura o sobrenatural com os horrores da ciência e com um tabu sexual.
– Xi, vamos ter de subir a classificação etária.
– Ótimo. Daí poderei filmar a cena dos dedos.
– Cena dos dedos?
– Você verá. Inesquecível.
– E, com o perdão da insistência, o desfecho? Onde você quer chegar?
– Ainda estou pensando num jeito de amarrar todas as pontas, de dar alguma coerência, mas te garanto que o final será apoteótico e catártico.
– Não vai terminar com uma grande explosão, né? Todo blockbuster ruim termina com uma grande explosão.
– Não será uma grande explosão.
– Que bom.
– Será um grande incêndio.