Fui ver Assassin's Creed no primeiro dia de exibição. Não porque sou fã do popularíssimo game – aliás, a última vez em que joguei algo do gênero ainda se chamava videogame. Portanto, este é um comentário de um neófito, o que pode me descredenciar junto aos fãs.
Quem me levou pelas mãos foram Michael Fassbender e Marion Cotillard, dois dos melhores e mais fascinantes atores de sua geração, aqui repetindo a parceria de Macbeth, e sob o mesmo diretor, Justin Kurzel.
Não tinha como dar errado, né?
Claro que tinha.
Uma coisa é filmar Shakespeare; basta cuidar para não estragar o roteiro original, digamos assim.
Outra coisa é ter de parir um roteiro a partir de um game; criar uma narrativa em que o conflito não se restrinja ao físico, em que a jornada do herói não se resuma ao caminho que ele percorre.
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Assassin's Creed bem que tenta acrescentar camadas de dramaturgia à aventura violenta sobre uma seita de, hum, assassinos do bem ("Nós trabalhamos nas trevas para servir a Luz", é um de seus mantras). Mas talvez a dramaturgia seja o que menos funciona em um filme cheio de furos e confuso.
Isso: confuso. Eu diria que não entendi um monte de coisas, e o que entendi preferia não ter entendido – aquela bobajada de maçã do Éden e o livre arbítrio, por exemplo. Algo que, se eu entendi, não faz o menor sentido é o fato de o personagem do Fassbender, Callum, quando precisa se conectar com seu antepassado Aguilar na Espanha da Inquisição, ter de operar aquele maquinário da Fundação Abstergo. Por quê? Não bastaria plugar e "enxergar" pelos olhos do Aguilar? Por que ele precisa "lutar" no presente? Ele não está apenas revivendo a trajetória de Aguilar? É Aguilar quem faz Callum se mexer? Se sim, repito, é totalmente desnecessário – o cara podia estar bem deitado em uma cama. Agora, se é Callum quem faz Aguilar se mexer, o treco é um equívoco: isso significa que Callum seria capaz de alterar o passado – a ponto de, quem sabe, ele próprio, Cal, deixar de existir, como bem sabem nerds com o conhecimento mínimo de viagens no tempo.
Esse ruído ficou me incomodando tanto que, somado à incompreensão da trama desenrolada no presente (aqueles coadjuvantes liderados pelo saudoso Chalky White de Boardwalk Empire queriam o que no fim das contas? Eu deveria torcer para eles ou contra eles?), me impediu de fruir mais as coisas boas do filme, como o visual, a trilha sonora, a agilidade das cenas de ação. Se bem que, convenhamos, visual, trilha sonora e agilidade das cenas de ação é o básico que se espera de uma adaptação cinematográfica de um game.
Sobra-nos, então, Fassbender e Cotillard. Os dois que me levaram ao cinema. A voz sedutora de Fassbender faz-se ouvir, os olhos hipnotizantes de Cotillard iluminam as cenas, mas suas almas deviam estar aprisionadas na Espanha da Inquisição: em nenhum momento eles parecem acreditar no que estão dizendo – acho que a francesa sequer entende o que está dizendo. É um dos maiores desperdícios de elenco dos últimos tempos – a lista de atores inclui Jeremy Irons, Charlotte Rampling e Brendan Gleeson.
Pena. Mais um game que não passa de fase ao migrar para a tela grande. Mais um filme derrotado pela promessa contida no trailer.