Jornalista brilhante, guerrilheiro diletante, provocador, mulherengo com pinta de galã de cinema. Tarso de Castro foi isso e ainda mais em sua fulgurante vida abreviada pelos excessos etílicos, em 1991, aos 49 anos. Abarcar a trajetória de uma figura múltipla e tão intensa como foi o gaúcho de Passo Fundo, e de uma forma que faça jus a essa persona, foi a desafio encarado pelos diretores Leo Garcia e Zeca Brito, que finalizam em Porto Alegre o documentário A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro (o duplo sentido do título é proposital).
A produção está em fase de montagem, com lançamento previsto para o segundo semestre ou o começo de 2018. O prazo para o ponto final depende de três depoimentos sobre Tarso que não puderam ser registrados entre as dezenas de entrevistas feitas em cidades como Passo Fundo, Rio de Janeiro e São Paulo.
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– O filme está 85% pronto. Esperamos ainda os encontros com Caetano Veloso (padrinho do ator e apresentador João Vicente de Castro, filho único de Tarso), Chico Buarque (amigo e parceiro de boemia) e Candice Bergen (ex-namorada) – explica Leo Garcia, que também assina o roteiro.
A presença no documentário da atriz norte-americana, com quem Tarso teve um badalado affair nos anos 1970, tem a ver com uma rara inverdade sobre o jornalista citada entre seus atributos.
– Em sua autobiografia, Candice fala da paixão por um guerrilheiro que havia lutado ao lado de Che Guevara na revolução cubana. Isso porque acreditou na conversa do Tarso, que tinha uma foto ao lado do Che (tirada em uma conferência da Organização dos Estados Americanos no Uruguai em 1961, evento que cobriu como jornalista). Ele usava esse papo nas suas conquistas amorosas (risos) – conta Garcia. – Seguimos negociando a entrevista com o agente de Candice.
A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro começou a tomar forma quando Garcia leu a biografia Tarso de Castro – 75kg de Músculos e Fúria (2005), de Tom Cardoso. Ali estava um grande personagem: o jornalista talentoso que apaixonou-se pelo tilintar das redações no diário passo-fundense O Nacional, fundado por seu pai, Múcio de Castro, o dono de um temperamento vulcânico e por vezes beligerante, o alcóolatra que bebeu até morrer.
Brito e Garcia registraram o primeiro depoimento em 2011, com dona Ada, mãe de Tarso, falecida no ano passado. Em 2016, gravaram entrevistas com Jaguar, Sérgio Cabral e Luiz Carlos Maciel, ex-parceiros de Tarso n'O Pasquim, o semanário carioca que desafiou a ditadura militar, do qual o gaúcho foi um dos fundadores, em 1969. Também falaram com os jornalistas Nelson Motta, Roberto D'Avila e Eric Nepomuceno, João Vicente de Castro e Barbara Oppenheimer, ex-mulher de Tarso e sua colega n'O Pasquim.
– Imagens em vídeo do Tarso são raras. Ele apareceu poucas vezes na TV, e mais no fim da vida – explica Brito. – Não queríamos um trabalho engessado nas entrevistas, algo que não tivesse a ver com Tarso. Buscamos a irreverência característica das entrevistas que o Tarso fazia. Criamos uma narrativa circular, em que são construídos diálogos com os personagens falando do Tarso ao telefone numa grande conversa. Criamos até um filme dentro do filme, com João Vicente e D'Avila entrevistando um ao outro.
Com três longas no currículo – o suspense fantástico O Guri (2011), o documentário Glauco do Brasil (2015), sobre o artista visual Glauco Rodrigues, e a ainda inédita comédia juvenil Em 97 Era Assim, e preparando uma ficção ambientada no movimento da Legalidade, em 1961 –, Brito diz que a vida de Tarso será destacada pela tríade jornalismo, mulheres e álcool.
Embora o período de Tarso no Pasquim até 1971 seja o mais lembrado na sua carreira – antes de se mudar para o Rio, ele trabalhou em Porto Alegre na Última Hora e em Zero Hora –, o documentário destacará momentos como sua passagem pela Folha de S. Paulo nos anos 1980, onde foi colunista e editor do caderno Ilustrada.
– Ele chegou a ser o principal colunista da Folha, o mais importante jornal do Brasil à época – diz Garcia. – E depois investiu na imprensa alternativa.
Entre os procurados para falar sobre Tarso, só um se absteve: Ziraldo, um de seus desafetos – outro foi Millôr Fernandes (1923 – 2012). Os diretores ressaltam que a imagem de Tarso junto às mulheres, em tempos nos quais seu comportamento poderia ser tido como machista, é positiva.
– Suas ex-mulheres e namoradas lembram dele como um parceiro carinhoso e sincero, sem rancores – afirma Brito.