Ao incorporar em seu nome o apêndice Arte Audiovisual Brasileira, o Cine Esquema Novo (CEN) reforça a identidade que fez do festival gaúcho referência nacional no conceito de cinema expandido. Desde sua primeira edição, em maio de 2003, o CEN abriga em Porto Alegre produções sem distinção de gênero e suporte de realização, voltadas a múltiplas telas: das salas de cinema às galerias de arte e paredes de espaços públicos.
A edição 2016 do CEN tem início hoje e segue até o dia 10 de novembro com programação gratuita na Cinemateca Capitólio (Demétrio Ribeiro, 1.085), palco principal do evento, no Instituto Goethe (24 de Outubro, 112) e no Instituto Ling (João Caetano, 440). Os curadores e produtores Alisson Avila, Gustavo Spolidoro, Jaqueline Beltrame e Ramiro Azevedo apresentam, entre outras atrações, a mostra competitiva nacional com 44 filmes de curta e longa-metragem, workshops com realizadores estrangeiros e videoinstalações.
O estreito diálogo entre cinema e artes visuais lançado 13 anos atrás pelo CEN reflete-se, por exemplo, nas 14 produções de realizadores do Rio Grande do Sul ou aqui residentes selecionadas.
– A pouca presença de filmes gaúchos foi uma cobrança nas edições anteriores – diz Gustavo Spolidoro. – Esse expressivo número de agora reflete o quanto a proposta do Cine Esquema Novo foi sendo absorvida, sobretudo, pela nova geração de realizadores.
Spolidoro destaca a presença produções que circularam por importantes festivais, como Cinema novo, de Eryk Rocha, eleito o melhor documentário do Festival de Cannes deste ano – com sessão amanhã, às 21h, no Capitólio, o filme passa em revista movimento cinematográfico que teve o pai do diretor, Glauber Rocha (1939 – 1981), como principal expoente:
– Perguntamos para o Eryk se poderia adiar a estreia do filme no circuito, marcada para esta quinta, para participar do festival. Ele topou. A forma como recria e resignifica as propostas do cinema novo tem tudo a ver com o festival.
Na abertura do CEN, nesta quinta, a partir das 20h, serão apresentados dois filmes de Pernambuco, Estado que consolidou-se, combinando efervescência criativa com efetivos mecanismos de apoio do poder público local, um dos mais robustos e premiados polos de produção do cinema brasileiro: o curta Superquadra Saci, de Cristiano Lenhardt, e o longa Animal político, de Tião, realizador que Spolidoro dá como exemplo de um fruto da semente criativa cultivada pelo festival gaúcho:
– O Tião foi premiado no CEN de 2009 com um curta ainda hoje muito lembrado, Muro, e agora volta para mostrar seu primeiro longa, que tem como protagonista uma vaca refletindo sobre a vida enquanto circula por uma exposição, uma festa e um jantar.
Como filme de encerramento, na próxima quinta, antes da cerimônia de premiação, será exibido Beduíno, mais recente longa de Júlio Bressane, estrelado pela musa do referencial diretor carioca, Alessandra Negrini.
Cinema político
Um dos curadores e diretores do Cine Esquema Novo, o cineasta e professor universitário Gustavo Spolidoro destaca o tom político que marca esta edição, com produções de diferentes Estados que, entre outros temas, abordam ocupações urbanas, protestos populares, diversidade sexual, violência contra a mulher e questões indígenas:
– É um momento de resistência política e social no Brasil, e não tem como o cinema fugir disso. É um processo que já ocorreu em países como Turquia e Egito.
Entre os destaques da mostra competitiva que tratam desta temática, está o curtas gaúcho O teto sobre nós, de Bruno Carboni, selecionado pra o Festival de Locarno. Seu cenário é um prédio abandonado do centro de Porto Alegre que foi ocupado e tem seus moradores encarando o drama do despejo iminente. Por sua vez, o média-metragem paulista Grin, de Roney Freitas e Isael Maxakali, lembra a famigerada Guarda Rural Indígena, milícia criada na ditadura que era formada por índios de diferentes etnias treinados pela polícia militar para reprimir com violência os próprios índios em aldeias de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Maranhão, iniciativa com resultados desastrosos.
Produção gaúcha
Entre os 14 títulos que representam o Rio Grande do Sul no CEN estão os longas Rifle, de Davi Pretto (de Castanha), vencedor de três troféus (montagem som e prêmio da crítica) no Festival de Brasília, sobre jovem que se envolve em disputa de terras em uma região remota do Estado, e Muito romântico, de Melissa Dullius e Gustavo Jahn, exibido no Festival de Berlim, onde vive a dupla que protagonista do projeto experimental. Entre os curtas, destacam-se títulos como O último dia antes de Zanzibar, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, dupla que estreou no longa exibindo no Festival de Berlim Beira-mar, e os premiados Sesmaria, de Gabriela Richter Lamas, e Ruby, de Luciano Scherer, Jorge Loureiro e Guilherme Soster.
A resistência da película
Se o suporte digital consolidou-se nos últimos anos como opção única no cinema comercial – da captação da imagem à distribuição e exibição –, a centenária película segue muito viva entre os realizadores independentes. O CEN 2016 reflete esta tendência internacional na mostra paralela Resistência em Película, que será realizada sábado, a partir das 10h, no Instituto Goethe.
A programação, com curadoria da produtora Pátio Vazio, tem como atrativo extra a presença na Capital do duo OJOBOCA, formado pela alemã Anja Dornieden e pelo colombiano Juan David González Monroy, residentes em Berlim. Além de apresentar seus trabalhos, eles vão ministrar a oficina de revelação e cópia manual de filme 16mm – essa atividade ocorrerá na segunda e na terça no Instituto de Artes da UFRGS, com inscrições já encerradas.
Essa mostra contará ainda com produções realizadas por duas referenciais instituições que trabalham com película na Europa: LaborBerlin (Alemanha) e Worm.Filmwerkplaats (Holanda).
– A película está mais viva do que nunca para o uso não comercial – afirma Gustavo Spolidoro. – É mais um suporte à escolha do artista, como um pintor opta por óleo ou aquarela para pintar um quadro. É um movimento tão forte que já se planeja a instalação em Porto Alegre, para os próximos anos, de um laboratório para revelar filmes, o que hoje só é possível em São Paulo ou no Exterior.
Cinema universitário
A efervescência da produção cinematográfica gaúcha está diretamente relacionada com o investimento no campo acadêmico. Este será um dos temas da Mostra Audiovisual em Curso, sábado no Instituto Goethe, com exibições de filmes e debates reunindo alunos e professores da PUCRS, UFRGS, Unisinos e UFPEL. Às 14h e 16h, serão exibidos curtas produzidos nos cursos e disciplinas de cinema dessas universidades (e também no Instituto de Artes da UFRGS). Às 18h, haverá um debate sobre produção audiovisual universitária no Estado.
Videoinstalações, projeções e cursos
Nos três espaços que abrigam o CEN 2016 serão apresentadas videoinstalações que ilustram a proposta do festival de interligar cinema e artes visuais. Na sala de exposição da Cinemateca Capitólio, na galeria do Instituto Goethe (exceto domingo) e na galeria e auditório do Instituto Goethe poderão ser assistidas 12 realizações em diferentes formatos e suportes. Entre os trabalhos, está Atlas, coprodução entre Brasil e França assinada pela artista visual porto-alegrense radicada em Paris Magda Gebhardt, em cartaz no Goethe.
Na segunda-feira, às 21h30min, a videoperformance Receita do que fazer na iminência da falta extrema de água (RS), de Filipe Rossato, Gabriel Pessoto, Henrique S. Ramos e João Gabriel de Queiroz, vai se desdobrar entre Cinemateca Capitólio e Ponte de Pedra do Largo dos Açorianos.
Entre quinta-feira e sábado, Fernanda Coelho ministrará o curso Gestão de Acervos Audiovisuais na Sala Multimídia da Cinemateca Capitólio. Inscrições a R$ 200. Veja aqui mais informações.