Um único horário em apenas um cinema. "Pequeno segredo", título escolhido para representar o Brasil na disputa por um lugar na competição pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, entrou em cartaz nesta quinta-feira somente no Cinespaço Novo Hamburgo, no Bourbon Shopping, iniciando uma série de exibições diárias de pré-estreia a fim de cumprir uma exigência da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Segundo as regras, o longa postulante à vaga deve ser exibido publicamente em seu país de origem por no mínimo sete dias consecutivos até 30 de setembro de 2016, em sala de cinema comercial. Segundo a produção do filme que derrotou o favorito Aquarius – e outros 14 inscritos – na corrida pela indicação, Pequeno segredo mantém a data de estreia nacional para 10 de novembro.
Zero Hora foi conferir a primeira projeção aberta ao público no país do drama dirigido por David Schurmann – além da reportagem, mais seis pessoas assistiram a essa sessão, às 16h30min. Rodado nas cidades de Florianópolis e Belém e na Nova Zelândia, Pequeno segredo conta alternadamente duas tramas que convergem para uma mesma narrativa na metade do filme. De um lado, acompanha-se a convivência dos navegadores Vilfredo (Marcello Antony) e Heloísa Schurmann (Júlia Lemmertz) com a filha Kat (encarnada pela graciosa Mariana Goulart), garota de 12 anos adotada pelo casal quando criança e que desconhece sua real doença – a menina é soropositiva.
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Ao mesmo tempo, o roteiro volta no tempo para mostrar como se conheceram os pais biológicos de Kat: trabalhando no Pará, o neozelandês Robert (Erroll Shand) acaba se apaixonando pela brasileira Jeanne (Maria Flor), para desgosto da mãe arrogante e preconceituosa do gringo – interpretada pela irlandesa Fionulla Flanagan, ótima atriz de filmes como Os outros (2001) e da série Lost, mas subaproveitada por conta do registro de vilã de novela mexicana.
Desde que venceu Aquarius no páreo do Oscar, em um processo precedido por polêmicas e pela desistência de candidatos e de integrantes da comissão de seleção, Pequeno segredo vem despertando debate e curiosidade – mesmo não tendo sido visto ainda por quase ninguém: o filme baseado na história real vivida pela família Schurmann representaria mesmo nossa melhor chance de trazer para o Brasil a inédita estatueta dourada?
Comparações à parte, Pequeno segredo é um melodrama com um grande potencial de agradar o público que aprecia histórias positivas de superação – comovendo em especial o espectador com um fraco por "filmes de doença" hollywoodianos envolvendo crianças. Filmado de forma correta e convencional, Pequeno segredo não surpreende, preferindo a segurança da história que agarra a plateia pelo sentimento – ainda que o recurso dos enredos que se desenvolvem em separado e só se entrelaçam no meio do caminho tenha sido usado com engenho.
No entanto, Pequeno segredo está longe de ser nosso "candidato natural" ao Oscar: o argumento de seus defensores de que a história de uma família unida pela luta contra a enfermidade de uma jovem vai acertar em cheio os corações dos responsáveis pelo principal prêmio do cinema mundial é correto apenas em parte. Primeiramente, porque não há receita infalível conhecida que garanta a passagem de uma produção à cobiçada lista final de classificados ao troféu. Além disso, se compararmos as alegadas qualidades de Pequeno segredo com as de Aquarius, por exemplo, chegaremos à conclusão de que o filme de Kleber Mendonça Filho também seria uma escolha pragmaticamente defensável.
Como pode ser comprovado verificando-se as listas de selecionados para brigar pelo Oscar de filme estrangeiro, todos os anos há também produções que abordam temas com forte crítica política e social, que foram bem recebidas em mostras internacionais – Aquarius passou na competição do Festival de Cannes e venceu o Festival de Sydney – ou que têm no elenco grandes estrelas, como Sonia Braga. Cabe agora à insondável academia americana o veredicto a respeito do acerto ou não de elegermos como candidato o "filme para chorar" no lugar do "filme para pensar".