O Festival de Cinema de Gramado vai homenagear nesta sexta-feira mais uma musa de Pedro Almodóvar: depois do Kikito de melhor atriz entregue à espanhola Marisa Paredes em 1992 por De salto alto, é a vez de a argentina Cecilia Roth ser celebrada pelo evento serrano com o troféu Kikito de Cristal. Primeira mulher a receber a honraria de Gramado destinada a personalidades do cinema latino-americano, a estrela que completou 60 anos no último dia 8 acompanhou o diretor espanhol desde sua estreia atrás das câmeras com Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão (1980), passando por Labirinto de paixões (1982), Maus hábitos (1983) e Fale com ela (2002). Mas foi o papel de Manuela em Tudo sobre minha mãe – Oscar de melhor filme estrangeiro em 2000 – que reafirmou o talento de Cecilia internacionalmente e a eternizou como uma das mais emblemáticas chicas de Almodóvar.
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Vencedora de dois prêmios Goya e com mais de 40 filmes no currículo, a artista, que chegou a Gramado nesta quinta-feira de helicóptero, falou com Zero Hora por telefone desde Buenos Aires – uma conversa intercalada por recomendações de Cecilia ao filho Martín, de 17 anos, fruto de seu relacionamento com o músico argentino Fito Páez. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Como você recebeu a notícia de que seria homenageada em Gramado?
Me emocionou muito, é uma homenagem pela trajetória. É uma estranha sensação de que vai passando o tempo. Um prêmio por um filme é sempre muito subjetivo, já uma homenagem é muito emocionante. É a confirmação de que valeu a pena entregar-se ao próprio ofício e à própria paixão.
Um prêmio pela trajetória leva você a olhar para trás e fazer um balanço da carreira?
Tinha 15 anos quando fiz meu primeiro filme (No toquen a la nena, de 1976). É um momento da vida que se coloca em perspectiva muitas coisas do passado. Não existe diferença entre carreira e vida para mim. Esse trabalho é a minha vida, onde ponho meu corpo e minhas emoções. Os anos fazem bem as artistas, porque se pode chegar a uma maior profundidade de seu próprio conhecimento pessoal, e portanto dos personagens que se vai fazer.
Como você vê o papel da mulher no cinema atualmente?
Tenho a impressão de que as coisas pioraram. Nos anos 1940, havia filmes em que as personagens femininas contavam a história, eram protagonistas, não apenas coadjuvantes dos homens. Isso é raro hoje. Você pode ver um filme atualmente com um casal formado por um homem de 70 anos e uma mulher de 30. O contrário não existe. Apesar dos avanços, as coisas não evoluíram muito. Há poucos diretores que abordam a complexidade feminina. Os protagonistas, em 90% das narrativas, são perpassados pela visão masculina.
Você nunca pensou em dirigir?
Pois é, há um projeto por aí... Me dá vontade, mas também medo. Sou muito obsessiva como atriz. Gosto muito de ler roteiros, ver como se coloca uma cena. Me passam muitos projetos pela cabeça.
Sua última colaboração com Pedro Almodóvar foi no filme Os amantes passageiros (2013). Como é sua relação com ele?
Somos muito próximos, ele é um grande amigo. Fiz uma campanha de moda há cerca de um mês na Espanha com Juan Gatti, artista que cria os cartazes dos filmes do Almodóvar. São muitos anos de amizade. Tomara que em algum momento voltemos a trabalhar. Gostei muito de Julieta.
Fale sobre Supermax, série rodada no Brasil, em que você integra o elenco de atores latino-americanos e espanhóis.
Me parece lindo que o Brasil esteja começando a fazer coproduções. O Brasil é muito insular nesse aspecto, tem uma música própria, uma cultura própria. É a primeira experiência de produção da Globo em espanhol, para exportação. Eu já tinha trabalhado com Daniel Burman (diretor argentino) e aceitei mesmo sem ler os roteiros. Foi uma experiência maravilhosa, mas dura, porque a maneira de trabalhar de cada país é diferente. Para mim, foi custoso me adaptar a um jeito diferente de trabalhar. A série é sobre um reality show gravado em uma prisão desativada no meio da selva, com oito participantes e um apresentador, interpretado pelo ator espanhol Santiago Segura.
Quais são seus próximos projetos?
Estou em Migas de pan, uma coprodução entre Espanha e Uruguai, que conta a história de uma presa política uruguaia. É um filme muito duro, que estreou há três semanas em Montevidéu. É sobre um grupo de mulheres que conta como foi seu desaparecimento, tortura e estupro durante a ditadura militar. Não se fala disso no Uruguai.