O ótimo momento pelo qual passa o cinema latino-americano vem enfim sendo reconhecido também pelos grandes festivais internacionais. Em 2015, o Festival de Veneza concedeu pela primeira vez o Leão de Ouro a uma produção da América Latina para o venezuelano De longe te observo (2015), em cartaz na Capital no Espaço Itaú 8. Longa de estreia do diretor Lorenzo Vigas, o filme é baseado em uma história do mexicano Guillermo Arriaga, roteirista de títulos dirigidos pelo conterrâneo Alejandro González Iñárritu como Amores brutos (2000), 21 gramas (2003) e Babel (2006).
A premiação para De longe te observo na competição italiana, aliás, foi contestada e até mesmo vaiada por conta dessa ligação com o México: o presidente do júri em Veneza que laureou essa coprodução venezuelano-mexicana foi justamente um mexicano, o cineasta Alfonso Cuarón (de E sua mãe também e Gravidade), acusado por alguns de ter privilegiado as obras latinas.
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Polêmicas à parte, De longe te observo é um envolvente e impressionante drama tensionado entre o suspense e a crítica social, que sublinha o caráter intrinsecamente voyeurístico do espectador de cinema – no caso, acompanhando o cotidiano de dois personagens em meio à azáfama de uma metrópole terceiro-mundista. A história se passa em Caracas, onde um solitário protético de meia idade procura pelas ruas a satisfação de seu desejo: Armando (Alfredo Castro) leva garotos para casa e paga para vê-los seminus enquanto se masturba sem tocá-los. Um desses encontros termina de forma violenta quando Eder (Luis Silva), jovem delinquente homofóbico, agride Armando e lhe rouba o dinheiro, mesmo depois de ter concordado com o negócio proposto por ele.
Apesar do turbulento episódio, o homem começa a perseguir o arrogante líder de gangue juvenil – que, a princípio hostil, aos poucos vai aceitando, por interesse próprio, a companhia e a ajuda de Armando. O soturno Armando é movido ainda por outra obsessão: seguir os passos do pai, aparentemente um próspero empresário de volta à capital venezuelana, contra quem o protagonista alimenta um ressentimento difuso em que Eder, cujo pai encontra-se preso, também vai se envolver.
De longe te observo traduz o prazer que Armando tem por espionar a realidade e imprime um caráter documental à narrativa ao colocar a câmera em muitas cenas grudadas ao personagem enquanto circula pelos descaminhos de Caracas – cidade em que a organização caótica e os contrastes sociais gritantes lembram as grandes aglomerações urbanas brasileiras.
O curioso e enigmático relacionamento que surge entre o rapaz pobre e bruto e o homem maduro de classe média alta, ambos emocionalmente recalcados e carentes, ganha corpo e verdade em De longe te observo graças às impactantes atuações dos dois atores centrais. Como seus personagens, os intérpretes são oriundos de trajetórias bem distintas: o jovem estreante venezuelano Luis Silva, eleito melhor ator nos festivais de Biarritz e San Sebastián por seu primeiro papel no cinema, e o veterano chileno Alfredo Castro, premiado ator fetiche do cineasta Pablo Larraín – que já o dirigiu em longas como Tony Manero (2008), Post mortem (2010), No (2012) e O clube (2015), além do inédito Neruda (2016).
De longe te observo
De Lorenzo Vigas. Drama, Venezuela/México, 2015, 93min, 16 anos. Em cartaz no Espaço Itaú 8. Cotação: 5 estrelas.