O cinema francês tem pelos filmes de gângsteres americanos um fetiche que vem de longe. É um modelo que já foi decalcado com maior e menor brilho por alguns de seus mais importantes realizadores, dos que investem no gênero iluminando a zona cinzenta que existe entre a maniqueísta disputa entre o bem e o mal consagrada por Hollywood, aos que não avançam além do pastiche. Em cartaz em Porto Alegre, A conexão francesa coloca-se entre essas duas propostas.
É evidente a ligação do filme com o clássico ganhador de cinco Oscar Operação França (1971), de William Friedkin, um dos mais vigorosos títulos da onda criativa que renovou o cinema americano nos anos 1970. Seu título original, La French, refere-se ao nome da rede de tráfico com base em Marselha, metrópole portuária do Mediterrâneo, que abasteceu os Estados Unidos com toneladas de heroína no começo dos anos 1970, elevando exponencialmente a criminalidade em cidades como Nova York, seu principal destino. O longa de Friedkin – que teve uma continuação em 1975 assinada por John Frankenheimer – é inspirado na história real dos agentes da divisão de narcóticos da polícia nova-iorquina que combateram a organização.
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Nascido em Marselha, o diretor Cédric Jimenez cresceu ouvindo histórias dos tempos em que sua cidade foi o que seria na década seguinte a Medellín de Pablo Escobar, traficante que fez os EUA mergulharem em cocaína: uma terra de ninguém dominada por mafiosos que ordenavam assassinatos de desafetos nas ruas à luz do dia e controlavam tanto a economia local quanto a polícia e a justiça.
A trama de A conexão francesa também é inspirada em fatos reais. Jean Dujardin, ganhador do Oscar de melhor ator com O artista (2011), vive o juiz Pierre Michel, apresentado como o arquetípico herói solitário à frente da arriscada missão de combater os traficantes e o sistema que os protege e deles se locupleta. O destemido e incorruptível Michel tem como antagonista Tanny Zampa (Gilles Lellouche), napolitano que manda em Marselha com o know-how da máfia italiana, também ele o arquetípico gângster cinematográfico: gosta de luxo e ostentação, cumpre um violento expediente à frente de seus "negócios" e encarna ao fim do dia o afetuoso e dedicado pai de família.
A notável reconstituição da época, entre 1975 e 1981 – reforçada com imagens de telejornais e referências a episódios da política francesa que foram determinantes no combate ao crime organizado naquele país –, a bela Marselha destacada como personagem e o desempenho dos atores protagonistas são os pontos fortes de A conexão francesa. Jimenez, porém, fica preso em algumas convenções desse tipo de filme. Espelha na crise do casamento de Michel a obsessiva dedicação deste ao trabalho, coloca ao lado do juiz idealista um policial honesto – mas que continua trabalhando com a plena confiança do chefe e colegas corruptos – e perde o pique na reta final da narrativa. Até aponta que o problema perdura até hoje com novos atores, por estar entranhado no sistema. Mas é tudo muito preto no branco, sem passar pelo cinza da vida real.