Não há gênero cinematográfico mais vandalizado por Hollywood do que o dos longas de ação. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que encheu as salas de cinema de filmes sem nada a oferecer a não ser a pirotecnia técnica, a indústria revolucionou esse filão aproveitando as discussões em torno de temas como o terrorismo internacional e a ética dos serviços de inteligência.
A chamada Trilogia Bourne (2002-2007) foi um dos pilares mais sólidos dessa revolução. Daí o porquê da expectativa com a estreia de Jason Bourne, quinto filme da franquia, que entra em cartaz nesta quinta-feira nos principais mercados do Ocidente: depois de um quarto longa (O legado Bourne, de 2012) sem o personagem-título, vivido por Matt Damon, e sem Paul Greengrass, diretor de suas duas produções mais marcantes (A supremacia Bourne, de 2004, e O ultimato Bourne, de 2007), a dupla que é "a cara" da série está de volta.
Greengrass e Damon também fizeram juntos o muito interessante Zona verde (2010), e o cineasta ainda acertou a mão em Voo United 93 (2006) e Capitão Phillips (2013). Agora, com Jason Bourne, fez um longa que tem tudo para agradar aos fãs da trilogia original (e eles são muitos) e todos aqueles que gostam de um bom filme de ação, tanto pelo entretenimento que proporciona quanto pelo respeito à inteligência do espectador.
Da Islândia a Las Vegas, passando por Atenas e Londres, a trama apresenta Bourne (Damon) tentando recordar de seu passado enquanto se enreda pelos bastidores das sujeiras do diretor da CIA (Tommy Lee Jones) e do agente secreto a quem este confia suas missões escusas (Vincent Cassel). Ponto para Greengrass e o corroteirista Christopher Rouse: o vilão é o próprio governo dos EUA, e o mocinho, seu desafeto perseguido, em uma inversão da lógica à qual Hollywood acostumou o público contemporâneo.
Mais do que isso. A intrincada (e bem-resolvida) narrativa lá pelas tantas aborda a obscura relação da agência de inteligência norte-americana com uma empresa global de tecnologia para monitorar os passos virtuais de todos os cidadãos, citando explicitamente o caso Edward Snowden – e dando estofo a uma dramaturgia que, até então, já se revelava densa e muito atual.
Ainda que o Deus ex-machina encarnado pela agente que resolve ajudar o protagonista (Alicia Vikander) possa ser questionado, o grande problema de Jason Bourne é que o filme é rápido demais. Alguns planos duram um ou dois segundos, e a câmera é ágil em exagero, especialmente nas cenas de perseguição, o que torna difícil inclusive acompanhá-las – as sequências pelas ruas de Atenas e Las Vegas são confusas a ponto de ser impossível identificar o que acontece além da destruição geral dos carros e do que mais atravessar o caminho.
Não se trata de algo totalmente comprometedor, mas é uma pena que uma série que ganhou admiradores por subverter clichês de um gênero caia em uma das armadilhas mais óbvias reservadas a esse tipo de produção.
Algumas marcas da grandiosidade da franquia
_O anúncio da volta da saga com as presenças de Matt Damon e Paul Greengrass foi feito no intervalo do Superbowl, o evento mais midiático dos EUA, em fevereiro deste ano, com a exibição do primeiro teaser do projeto.
_Fãs rejeitaram O legado Bourne (2012), filme sem a dupla. Entre os pedidos de retorno de ambos, destaca-se a do canal do YouTube CinemaSins, que tem 6 milhões de inscritos e 1,3 bilhão de visualizações em seus vídeos.
_A trilogia original foi adquirida por um grande museu (o MoMa de Nova York), que a exibiu e promoveu debates com diretor e equipe, algo raro em se tratando das produções de Hollywood, ainda mais do gênero ação.
_Com dificuldades para filmar Jason Bourne na Grécia, a Universal reconstruiu ruas da capital daquele país, Atenas, ocupadas por milhares de figurantes, na cidade espanhola de Tenerife, nas Ilhas Canárias.
_A sequência de perseguição em Las Vegas demorou cinco semanas para ser filmada. No total, 170 carros foram destruídos pela produção, que só teve permissão para ocupar as ruas da cidade das 0h às 6h.
_Especula-se que Jason Bourne tenha custado US$ 120 milhões, quantia semelhante à do quarto longa (O legado Bourne), o mais caro até então.
O faturamento dos quatro títulos soma um total de mais de US$ 1,2 bilhão.
Jason Bourne
De Paul Greengrass. Com Matt Damon, Alicia Vikander, Tommy Lee Jones, Vincent Cassel, Julia Stiles e Riz Ahmed.
Ação, EUA, 2016, 123min.
Em cartaz no circuito de cinemas a partir desta quinta-feira.
Cotação: bom.