O cinema brasileiro se tornou um especialista em comédias populares boas de público e ruins de crítica. Porta dos Fundos – Contrato vitalício estreia nesta quinta-feira com a expectativa de buscar um meio termo entre esses dois polos. O primeiro longa-metragem do grupo humorístico talvez não vença esse desafio: está longe de repetir os melhores momentos do coletivo que se tornou um fenômeno da internet e que, antes, já havia migrado para a TV (no canal Fox). De todo modo, é um filme acima da média na comparação com os ícones das chamadas "globochanchadas".
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Quase todo o elenco do Porta dos Fundos aparece na trama, que começa em Cannes, com a vitória do Brasil no maior festival de cinema do mundo. Mais especificamente, com a Palma de Ouro sendo entregue ao ator (Fábio Porchat) e ao diretor (Gregorio Duvivier) de uma produção nacional sobre a qual o espectador não sabe nada. Não importa: a história começa mesmo depois, quando, inconsequentemente bêbados, eles assinam o contrato vitalício do título segundo o qual trabalharão juntos para sempre.
É claro que isso não daria certo. Mas o problema aumenta porque, naquela mesma noite, o personagem de Duvivier some. E só reaparece 10 anos depois, no mesmo balneário francês, cabeludo, barbudo e seguro de que passou todo esse tempo em poder de alienígenas que vivem no centro da Terra. Se você imaginou que ele quer filmar essa história, e cooptar o personagem de Porchat para o projeto com base na promessa feita uma década antes, adivinhou o que o espera ao longo dos cem minutos de sessão.
Talvez nunca o cinema, a televisão ou qualquer produção artística brasileira tenha feito tanta piada em cima de referências reais da indústria do entretenimento. Xuxa, Naldo e Sérgio Mallandro fazem participações especiais, enquanto a chamada imprensa rosa (de fofocas) é achincalhada, particularmente pela presença constante de um repórter da revista Ti Ti Ti (Marcos Veras) que persegue o ator vivido por Porchat. Veículos de jornalismo, atores, apresentadores de TV – tudo é citado nominalmente. Quando as brincadeiras são mais, digamos, indiscretas, usa-se apenas o primeiro nome dos alvos – recurso que potencializa o riso à medida que deixa uma camada de compreensão a ser preenchida pelo público.
O astro protagonista tem uma namorada tapada que vive como vlogger (Thati Lopes). Seu empresário (Luís Lobianco, destaque do elenco) é ainda mais afetado em sua futilidade. O diretor doidão encontra em um mendigo (João Vicente Castro) alguém com quem teria cruzado em sua jornada ao centro do planeta. A preparadora de elenco carrasca que ele contrata quando começa a filmar (Júlia Rabello) é cruel, sádica. Ainda há outras figuras estereotipadas orbitando em torno da dupla. Em vídeos curtos postados no canal do YouTube, o Porta dos Fundos sempre se sentiu confortável (e foi bem-sucedido) trabalhando com esse tipo de composição de personagens. Em um longa-metragem, o furo é mais embaixo. Suas atitudes reiterativas acabam cansando – o filme poderia ser mais curto. Mas não a ponto de comprometer o projeto: Contrato Vitalício tem formato adequado para a história que apresenta, com um arco que se completa de maneira satisfatória após algumas surpresas em sua metade final.
* Daniel Feix viajou a São Paulo a convite da distribuidora Downtown