Depois de William Shakespeare, os octogenários irmãos Paolo e Vittorio Taviani buscaram em outro autor clássico a inspiração para dar mais um significativo passo na sua longeva trajetória de mestres do cinema. Em cartaz no Guion Center, Maravilhoso Boccaccio, mais recente longa da dupla italiana, tem como matriz cinco das cem breves histórias publicadas entre 1348 e 1353 pelo italiano Giovanni Boccaccio (1313 – 1375) e reunidas no volume Decameron, marco literário do período Medieval que influenciou, entre outros autores, o britânico Shakespeare (1564 – 1616).
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Paolo, 84 anos, e Vittorio, 86, pinçaram histórias que celebram a vida, a juventude e o amor em um cenário sombrio cercado pela morte, como a Florença do século 14 assolada pela peste negra. A estrutura narrativa é a mesma de Boccaccio. Sete moças e três rapazes fogem da cidade para evitar a doença e vão viver numa espécie de república pastoral. Ali, passam o tempo contando histórias como a do ingênuo Calandrino, que acredita ter se tornado invisível por efeito de uma pedra mágica, e de Catalina, mulher que, após ser morta pela peste e deixada em uma cripta pelo marido, é ressuscitada pela paixão de um admirador platônico. Já a jornada de Isabetta, colocada contra a vontade em um convento pela família, mostra como a tentação da carne e o livre arbítrio podem se impor aos rigores da fé e da hipocrisia.
Em seu projeto anterior, o docudrama César Deve Morrer (2012), os Taviani foram ousados na releitura de Júlio César, de Shakespeare. Registraram a encenação da peça por um grupo de presidiários costurando as imagens do palco com os bastidores da montagem e a rotina prisional – espelhando situações e conflitos da ficção naquela realidade. Com Boccaccio, eles são mais reverentes, sobretudo na comparação com aquela que é tida como a melhor, talvez definitiva, incursão cinematográfica no universo do autor, apresentada pelo compatriota Pier Paolo Pasolini (1922 – 1975) em Decameron (1971) – filme inflamado pela transgressão comportamental e pela contundência política caras ao diretor e que tão bem serviram para vestir as novelas toscanas também revolucionárias à sua época.
O erotismo latente na obra de Boccaccio é mais discreto na releitura dos Taviani. Eles, parece, optaram por refletir com mais ênfase nesse ambiente medieval questões humanistas contemporâneas – não por acaso, as histórias destacam mulheres fortes guiando seus destinos e confrontando imposições patriarcais. Artistas criadores que são, renovam a fé de que cabe aos jovens apaixonados, por alguém ou por uma causa, fazer e escrever a história que será contada através dos tempos.