Administrado por três gerações da família Freiberger ao longo de mais de oito décadas, o Bairro Chic é o ponto comercial ainda em atividade mais antigo do bairro Petrópolis, na Capital. Foi aberto em outubro de 1939, no local onde, hoje, está a Avenida Protásio Alves, defronte à esquina com a Ijuí. À época, além de propriedades rurais com plantações e criação de gado, o que havia ao redor eram casas de campo chiques (daí o nome do estabelecimento), frequentadas por gente rica de Porto Alegre aos fins de semana.
— Quando meu avô chegou, isso aqui era um caminho de terra. A Protásio acabava na Vicente da Fontoura — diz João Freiberger, que administra o negócio, atualmente, junto à esposa, Solange.
O fundador Franklin havia passado o ponto do Armazém Rio-Grandense, na esquina da Rua Esperança (atual Miguel Tostes) com a Liberdade (hoje, Vasco da Gama), no Bom Fim, por conta de dificuldades financeiras, para arriscar a sorte no Caminho do Meio, às margens da área urbana da cidade. Afora secos & molhados, com artigos de ferragem, o Bairro Chic oferecia serviços complementares. Habilidoso, Franklin era marceneiro, vidraceiro, sapateiro e ferreiro — a caminho de Viamão, os tropeiros paravam em frente para trocar as ferraduras dos cavalos.
Nascido em 1962, João não chegou a conhecer o avô, que morreu uma década antes, aos 44 anos, de câncer no pulmão — era um fumante inveterado. À época, Ivo (pai do atual gestor), com apenas 17 anos, foi emancipado para dar continuidade ao negócio. Apesar de jovem, revelou-se um empresário criativo: para estimular as vendas, fazia propaganda no intervalo das sessões do Cine Ritz, projetando o slogan da loja na tela com uma lâmina de fibra ajustada ao projetor: “Ferragem Bairro Chic — a casa que tem tudo”.
Com três meses de vida, João podia ser visto tomando mamadeira em cima de uma pilha de jornais, em um canto do armazém. Aos 10, já enchia garrafas de leite, querosene ou solvente (produtos vendidos a granel). A essa altura, um dos pontos fortes do Bairro Chic eram os brinquedos de madeira — na véspera de Natal, mantinha-se aberto até depois da meia-noite, com carrinhos e bonecas pendurados em fios na calçada, em meio às luzes natalinas, à espera de clientes que deixavam para comprar os presentes na última hora.
Do avô, João herdou as múltiplas habilidades. Para aprimorá-las, fez cursos de pintura, eletricidade e hidráulica. Em 1998, quando já era sócio do pai (que faleceu há quatro anos), criou uma prestadora de serviços (a Star Five Consertos) no mezanino da loja, reunindo profissionais de vários tipos de reparos domésticos. Uma empresa “faz-tudo”. Com um deles (Ricardo Rocha), aprendeu a consertar panelas, hoje a principal atividade do negócio, depois que as filhas Adele e Alicen lhe ensinaram os macetes de divulgação nas redes sociais.
No Brasil, João é um dos poucos que dá jeito em panelas estrangeiras — portuguesas, inglesas, francesas, italianas, japonesas e mexicanas.
Com tanto tempo de portas abertas, aconteceu de tudo no Bairro Chic — até suicídio. Certa feita, um cliente apareceu para comprar o formicida Tatuzinho. Não teve dúvida — abriu a lata, engoliu e morreu na hora, ali mesmo. Outra vez, Ivo foi detido na delegacia do bairro, após uma cliente acusá-lo de se apropriar de um anel de brilhante que julgava ter perdido no interior da loja. Poucas horas depois, a mulher achou a joia entre a cama e a mesa de cabeceira. Sem falar na ocasião em que um ônibus quebrou a ponta do eixo, invadiu a calçada e foi parar a poucos metros do balcão. Que susto! Para explicar a longevidade, a esposa de João tem a receita:
— Ele é talentoso e adora desafios. E, como o avô e o pai, soube se reinventar de acordo com as mudanças da economia e as necessidades dos clientes — conclui Solange.