Em um momento de agravamento da pandemia, o Rio Grande do Sul atingiu nesta quinta-feira (18) o número mais alto já registrado de pacientes internados com coronavírus em unidades de terapia intensiva (UTIs). Por volta das 16h, o painel de monitoramento da Secretaria Estadual da Saúde (SES) indicava 991 doentes com covid-19 em estado grave — cinco a mais do que o recorde anterior, observado em 25 de dezembro.
A chegada a esse novo e perigoso patamar ocorreu por meio de uma subida rápida no registro de novos pacientes, que se concentrou nos últimos dias. Em apenas uma semana, o salto chegou a 19%.
— Estamos vendo um aumento que nos leva a um nível (de hospitalização) superior ao que já tivemos no passado. O que preocupa é que não tivemos um outro momento de crescimento tão acelerado como estamos vendo agora — alerta o diretor do Departamento de Auditoria do SUS da secretaria e integrante do Gabinete de Crise do governo estadual Bruno Naundorf.
Naundorf afirma que os técnicos do governo ainda estudam o que pode estar motivando esse avanço — entre as hipóteses estão descuidos com medidas básicas, como uso de máscaras e distanciamento social, após o início da vacinação (que poderia gerar uma falsa sensação de segurança), ou um eventual impacto causado pela circulação de novas variantes do coronavírus.
Nas últimas semanas, o Estado viu se disseminar a chamada P2, identificada pela primeira vez no Rio de Janeiro, a ponto de se tornar predominante nos sequenciamentos genéticos mais recentes, e observou pela primeira vez, em Gramado, um caso da P1 — linhagem descoberta em Manaus (AM) e associada a uma maior transmissibilidade. Ainda estão sendo feitos estudos para avaliar as características epidemiológicas da P2.
O cenário gaúcho já chama atenção de especialistas de outras regiões do país.
Estamos vendo um aumento que nos leva a um nível (de hospitalização) superior ao que já tivemos no passado. O que preocupa é que não tivemos um outro momento de crescimento tão acelerado como estamos vendo agora
BRUNO NAUNDORF
Diretor do Departamento de Auditoria do SUS da secretaria e integrante do Gabinete de Crise do governo estadual
— O Oeste de Santa Catarina, que tem uma ligação grande com o Rio Grande do Sul, e o próprio Rio Grande do Sul fazem parte das regiões com perspectiva de crescimento acelerado (da pandemia) no país. Não sei se é só pelo comportamento das pessoas ou se há algum componente relacionado a variantes (do vírus) — observa o epidemiologista, mestre em Saúde Pública pela Universidade de Harvard (EUA) e integrante do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, de São Paulo, Marcio Sommer Bittencourt.
Gerente de projetos de Gestão de Risco e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt afirma que, em 4 de fevereiro, já havia realizado cálculos que indicavam reversão de tendência da pandemia em sete Estados brasileiros — um deles, com sinalização de piora, era o Rio Grande do Sul.
— O Estado estava caindo cada vez mais devagar no número de casos notificados pelo Ministério da Saúde. Isso indicava que, em algumas semanas, teríamos aumento de casos e, em seguida, de internações. O que houve de diferente foi que as internações vieram de forma avassaladora — observa Isaac.
Em Porto Alegre, a tendência também é de maior demanda nas UTIs. O crescimento foi de 13% em uma semana, e chegou a 319 doentes com covid-19 até o final da tarde desta quinta. O recorde de hospitalizações para tratamento intensivo, registrado no começo de setembro, foi de 347. A prefeitura considera como “teto” para atendimento da pandemia o número de 383 leitos destinados a casos de coronavírus.
A superação desse patamar deixaria a Capital em situação próxima do colapso e exigiria a utilização de espaços fora de UTIs para pacientes graves.
Ocupação de leitos clínicos saltou 41% em uma semana
As perspectivas para o rumo da pandemia em solo gaúcho não são boas. Além de maior demanda por vagas em UTIs, o Estado está diante de um avanço surpreendente na ocupação de leitos clínicos por pacientes com coronavírus. Na tarde desta quinta, havia 1.606 doentes hospitalizados em alas de menor complexidade. Uma semana antes, eram 1.137 — ou seja, uma disparada de 41% em apenas sete dias.
No momento, estamos muito preocupados com o risco de superlotações. Quando o sistema de saúde chega perto do colapso, é preciso interromper a cadeia de transmissão de forma rápida. Para se fazer isso, é preciso impor restrições mais pesadas à mobilidade
ALEXANDRE ZAVASCKI
Infectologista e professor da UFRGS
Como essas alas de menor complexidade funcionam como porta de entrada do sistema hospitalar, são um indicativo de que a situação pode ficar ainda pior mais adiante. Uma fração desses pacientes tende a apresentar complicações que exigem atendimento mais intensivo, o que pode sobrecarregar ainda mais as UTIs, e uma parte acabar morrendo, o que pode elevar as taxas de óbitos em poucas semanas.
— No momento, estamos muito preocupados com o risco de superlotações. Quando o sistema de saúde chega perto do colapso, é preciso interromper a cadeia de transmissão de forma rápida. Para se fazer isso, é preciso impor restrições mais pesadas à mobilidade. Sabemos que isso também representa um problema, mas é necessário para interromper a circulação do vírus — analisa o infectologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.