O remdesivir, um antiviral jamais usado na vida real para tratar qualquer doença, vem mostrando resultados modestos, mas ainda assim promissores contra o coronavírus. Estudos preliminares mostram que ele pode reduzir o tempo de internação de pacientes graves em hospitais.
Na última sexta-feira (1º), o remédio recebeu autorização do FDA, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dos Estados Unidos, para ser usado em pacientes de covid-19 que precisam de ventilação mecânica. A liberação é temporária e pode ser revertida. No Brasil, o uso não está permitido.
"Baseado na totalidade das evidências científicas disponíveis, é razoável crer que o remdesivir possa ser efetivo no tratamento da covid-19 e que, quando usado sob as condições descritas nesta autorização, os conhecidos e potenciais benefícios superam os conhecidos e potenciais riscos da droga", afirma o documento do FDA.
O remdesivir, patenteado pela gigante farmacêutica Gilead, nunca foi aprovado para tratamento contra qualquer doença – chegou a ser estudado para ebola, hepatite e os vírus da Sars (síndrome respiratória aguda grave) e Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio). Ao que parece, o remédio ataca uma proteína do novo coronavírus essencial para a reprodução do seu conteúdo genético. Uma vez que essa proteína é inibida, o vírus para de se multiplicar nas células do corpo. Dentre os riscos possíveis, estão alteração metabólica e problemas nos rins.
Médicos, contudo, sublinham que ainda se sabe muito pouco sobre o remdesivir, que a maioria das pesquisas sobre a substância são pequenas e que aquelas com melhor qualidade não apresentam benefícios que revolucionem o combate à pandemia. Ainda assim, os resultados acendem um sinal de interesse e de esperança.
— O remdesivir teve, em resultados preliminares, impacto na redução do tempo de internação. Com a hidroxicloroquina, não temos esse tipo de resultado, apenas uma redução de carga viral, que não trouxe impacto clínico. O remdesivir está em nível mais promissor do que a hidroxicloroquina, é uma estratégia que pode ser promissora, mas precisa ser bem mais investigada — pontua Ronaldo Hallal, médico infectologista da Santa Casa e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A Gilead negou pedido de entrevista de GaúchaZH. Em seu site, informa que, ao todo, seis estudos são conduzidos para avaliar a eficácia do remdesivir. Em comunicado à imprensa na última sexta-feira (1º) sobre a aprovação do uso do medicamento nos Estados Unidos, a própria empresa afirma que “ainda não se sabe se o remdesivir é seguro e eficaz para o tratamento de covid-19”.
Tempo de internação reduzido
O principal estudo feito até agora, e que sustenta a liberação emergencial pelo FDA, descobriu que, em mais de mil pacientes, a droga reduziu o tempo de internação de 15 para 11 dias – não houve, no entanto, benefício significativo para reduzir a mortalidade.
A pesquisa foi bancada pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos – ou seja, pelo próprio governo. Os próprios autores afirmam que o remédio ainda é um “conceito”, e não uma solução final para o coronavírus. Mas o desfecho, ainda que pontual, anima a comunidade médica.
— Os resultados com remdesivir parecem mais promissores do que a cloroquina, que teve estudos pequenos e não bem feitos. As pesquisas com remdesivir são ensaios clínicos randomizados e controlados, um tipo de estudo muito melhor do que os feitos até então com cloroquina. Estamos com bastante expectativa de que esse medicamento realmente irá ajudar os pacientes com covid — comenta Lessandra Michelin, presidente da Sociedade de Infectologia do Rio Grande do Sul.
“Não é a bala de prata”, diz médico intensivista
Um segundo estudo sobre o remdesivir – este feito na China e publicado, na íntegra, na prestigiada revista The Lancet – não apontou nenhum benefício significativo da droga em comparação a quem não a usou (o estudo teve de ser interrompido porque não havia o número suficiente de voluntários).
Para o médico intensivista Wagner Nedel, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul, o remdesivir “não é a bala de prata” de cura do coronavírus.
— O estudo do NIH é muito preliminar e, junto com o trabalho chinês, não sugere que a mortalidade diminua. Eventualmente, pode tirar da hospitalização mais cedo, mas não se sabe se vale para quem tem sintomas mais leves. A droga não parece ser milagrosa: se houvesse um efeito fantástico, já teria se mostrado. Ela diminui a necessidade de ir para a UTI? De usar respirador? Não sabemos — diz Nedel.
Segundo Elizabeth Igne Ferreira, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), não é possível comparar a eficácia entre cloroquina e remdesivir – simplesmente porque faltam análises.
— Há número grande de estudos com hidroxicloroquina, mas há, ainda, necessidade de estudos colaborativos internacionais rigorosos e dentro de protocolos racionais para se ter resultados mais confiáveis e definitivos. No caso do remdesivir, pesquisas já foram avalizadas para uso emergencial pelo FDA, órgão que goza de idoneidade reconhecida internacionalmente. Considero que, com base na ciência e em ensaios clínicos robustos e rigorosos, não há possibilidade de comparação, no momento — diz Elizabeth.
No Brasil, o uso da droga não está liberado. Segundo a Anvisa, o remédio só pode ser empregado quando um médico receita a substância para uso individual de um paciente – ou seja, um hospital não pode comprar redemsivir e deixá-lo no estoque para qualquer pessoa. Cada paciente precisa pedir autorização da Anvisa e importar para uso próprio, em processo semelhante à compra de remédios raros de outro país. Até esta segunda-feira (4), a Anvisa não recebeu nenhum pedido de aval para importação no país.
O órgão acrescenta que está em contato com a Gilead para acompanhar a evolução dos estudos que avaliam os efeitos da droga contra o coronavírus. Para que o remédio entre de fato no Brasil a companhia farmacêutica precisa pedir autorização à entidade, que irá avaliar os estudos feitos até agora e decidir se permite a distribuição.
Hoje, médicos tratam os sintomas do coronavírus no corpo, e não o vírus em si. A busca por um remédio, junto com vacina, será essencial para que o mundo volte a um estado – novo, talvez – de normalidade.