Após determinação do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde divulgou nesta quarta-feira (20) um documento com orientações que ampliam a possibilidade de uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19. Em princípio, as drogas são indicadas, respectivamente, para o tratamento da malária e de doenças reumatológicas.
Segundo as novas orientações, o paciente deve assinar um termo de consentimento que afirma que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais "como redução dos glóbulos brancos, disfunção do fígado, disfunção cardíaca e arritmias, e alterações visuais por danos na retina".
Até então, a medicação era prevista apenas para doentes em estados graves e críticos, em ambiente hospitalar, com monitorização realizada por equipes de profissionais da saúde. As "orientações" divulgadas agora classificam quadros leves, moderados e graves, descrevendo sinais e sintomas, e indicam dosagens e duração dos tratamentos, que incluem, além de cloroquina e hidroxicloroquina, o antibiótico azitromicina. A indicação deve ficar a critério médico e ocorrer após análise de exames.
"Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de possuírem atividade in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19", aponta o documento.
"Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária também a vontade declarada do paciente", completa.
O termo frisa ainda que "não existe garantia de resultados positivos, e que o medicamento proposto pode inclusive agravar a condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos".
Segundo o Ministério da Saúde, o documento divulgado nesta quarta segue parecer do Conselho Federal de Medicina. Ainda em abril, o conselho emitiu uma autorização para que médicos pudessem prescrever o medicamento também para casos leves e uso domiciliar, mediante termo de consentimento do paciente ou familiares. A autarquia justificou o aval devido à ausência de outros tratamentos disponíveis, embora sem evidência científica.
A mudança de protocolo era defendida com afinco por Bolsonaro e foi motivo de atrito com os dois últimos ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. A pasta, desde o pedido de demissão de Teich, na semana passada, não tem um titular oficial. Quem está interinamente no comando é o general Eduardo Pazuello.
Estudos internacionais não encontraram evidências concretas de que o medicamento beneficie pacientes com covid-19. Quatro pesquisas publicadas neste mês em revistas internacionais altamente conceituadas no meio científico sugerem que a adoção da medicação não trouxe ganhos efetivos aos doentes — e um deles aponta que 10% dos doentes que usaram hidroxicloroquina tiveram problemas cardíacos.
Hoje, a cloroquina e o seu derivado, a hidroxicloroquina (um composto mais moderno e menos tóxico), já aparecem entre as drogas mais testadas no mundo contra a covid-19. Segundo a plataforma Clinical Trials, que reúne dados globais sobre testes de medicamentos, há, atualmente, cerca de 6,4 mil pesquisas em desenvolvimento.
Ao ser questionado sobre as novas orientações do ministério, o infectologista Eduardo Sprinz, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), responde com outra pergunta:
— Você tem uma infecção que, em 90% das vezes, é leve e não vai causar nenhum problema. Por que você usaria uma combinação de medicações que poderia te provocar uma arritmia cardíaca?
Na medicina, salienta o chefe do Serviço de Infectologia do HCPA, é essencial que qualquer conduta parta do princípio de que não acarretará ainda mais mal ao paciente.
— Por que vou correr o risco de causar um dano que não é necessário? Esse é o ponto-chave — acrescenta Sprinz.
Nesta semana, a Sociedade Brasileira de Imunologia divulgou parecer científico em que afirmava ser "precoce" a recomendação para uso da cloroquina por pacientes com covid-19.
Um estudo desenvolvido entre três das entidades mais envolvidas no cuidado a pacientes infectados por coronavírus divulgaram, na segunda-feira (18), um documento com diretrizes para o tratamento da doença. Nele, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia recomendam que a cloroquina não seja utilizada no tratamento da covid-19.