Três hospitais de Porto Alegre concentram mais da metade dos 324 casos registrados de covid-19 até a última segunda-feira (13), mostra análise de GaúchaZH com base em dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O cenário indica que o coronavírus chegou a Porto Alegre por meio das classes média e alta, que viajaram para outros países, e que a doença ainda não atingiu com força a periferia.
Juntos, os hospitais Moinhos de Vento (90 casos), Clínicas de Porto Alegre (49) e Santa Casa (29) concentram 52% de todos os diagnósticos da covid-19 na Capital. As instituições também atenderam 35 das 50 primeiras pessoas infectadas na cidade. O primeiro caso oficial porto-alegrense registrado foi em 8 de março, no Hospital Mãe de Deus.
— Dá para ver que a maior parte dos casos está concentrada em um hospital privado de Porto Alegre. Isso reflete o fato de a epidemia ter começado nas classes média e alta — observa Alexandre Zavascki, professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os dados não mostram o bairro de residência dos infectados, e sim o local de registro onde o caso foi informado às autoridades. Médicos ressaltam que os números são subnotificados e também um pouco desatualizados, já que hoje as instituições tratam pessoas com sintomas de coronavírus sem a confirmação do exame já ter saído.
Ainda assim, a presença do novo coronavírus é bem menor em hospitais de regiões periféricas. O Hospital Restinga, por exemplo, tem apenas dois diagnósticos de coronavírus e nem chega a entrar na lista dos sete hospitais que mais tratam pacientes, apesar de o bairro ser o terceiro mais populoso da cidade e concentrar 51,5 mil habitantes, quase cinco vezes mais do que o bairro Moinhos de Vento, segundo o censo demográfico de 2010.
Dentre outros motivos, a Santa Casa desponta como terceiro hospital com mais casos porque possui laboratório próprio que processa em até 48 horas os exames, o que agiliza os resultados, segundo Gynara Rezende, infectologista do Controle de Infecção Hospitalar da instituição. O Hospital de Clínicas também tem laboratório próprio. Além disso, a Santa Casa tem serviço de coleta domiciliar, o que facilita a testagem, ela diz.
Para Wagner Nedel, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul (Sotirgs), a maior concentração em hospitais particulares indica que "a covid ainda tem classe social".
— O que parece que aconteceu é que a doença está pegando uma classe social mais alta e ainda não chegou com força à classe social mais baixa que usa SUS (Sistema Único de Saúde). O confinamento pode estar prevenindo que a doença se dissemine entre os mais pobres. E há a desigualdade social do Brasil, que também se mostra: há pouca interação entre as classes sociais — reflete.
Os hospitais Clínicas e Conceição foram preparados para se tornarem referência no tratamento à covid-19. Até agora, o Conceição, que atende apenas pacientes do SUS, tratou apenas 18 casos confirmados — cerca de 5,5% do total de porto-alegrenses infectados. Tradicionalmente, a instituição trata pacientes com menos poder aquisitivo.
— Quem trouxe a covid foi uma classe média-alta que viaja de avião e disseminou para seus contatos. Já no início fizemos o distanciamento social, e a disseminação acabou bem mais lenta. Ainda não chegamos ao pico de disseminação da doença e, por isso, a estratégia de distanciamento foi importante porque, senão, teríamos todos os hospitais lotados — afirma o diretor-geral de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Jorge Osório.
Ele destaca ainda que, em hospitais privados, pacientes conseguem ter acesso a testes mesmo sem estarem em estado de saúde grave (exigência para testagem pelo SUS), o que também explica os números mais elevados em instituições particulares. Entretanto, ele salienta que, quando o paciente está em estado grave, o tratamento é o mesmo, seja em hospital público ou privado.
A concentração de casos, nos próximos dias, pode mudar de forma a pressionar mais hospitais que atendem pacientes mais pobres, afirma Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da UFRGS e gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Isso depende da atualização dos dados — o que, por sua vez, depende da maior liberação de testes pelo Ministério da Saúde.
— Há atraso no processamento dos testes e ainda há um atraso no processamento das notificações entre município, Estado e União. A notificação anda à medida em que os testes estão disponíveis — avalia. — A situação tende a mudar rapidamente porque a epidemia vai se espalhar e, onde há mais aglomerações, a transmissão sustentada vai envolver populações de outros níveis socioeconômicos — pontua.