Às vésperas da Páscoa, grande parte das cidades do Rio Grande do Sul enfrenta a terceira semana de distanciamento social e, também, a inquietação de seus moradores. Em busca de ar livre, uma parcela da população tem driblado o isolamento, alimentando uma rota de escape rumo a casas no Litoral e a sítios no Interior.
Infectologistas, contudo, alertam: deslocamentos dispensáveis são estritamente contraindicados neste momento. Por isolamento social, entende-se permanecer dentro de casa. Mesmo assintomática, uma pessoa pode transportar o vírus para outra cidade, disseminando o coronavírus pelo Estado.
Leia as perguntas elaboradas por GaúchaZH e as respostas de três infectologistas (Claudio Stadnik, da Santa Casa, Luciano Goldani, do Hospital de Clínicas, e Gerson Salvador, da Faculdade de Saúde Pública da USP) sobre o tema.
Posso ir para a minha casa no Litoral ou no Interior?
Não. Quarentena significa ficar em casa, saindo apenas em último caso. Ir para o Litoral ou para o Interior para passear e visitar familiares é justamente o que não se deve fazer. (Claudio Stadnik)
Não. A atual recomendação é de que todos se alinhem ao isolamento social, o que não inclui a movimentação de pessoas entre cidades. Em viagens, pessoas infectadas podem levar o vírus para cidades pequenas que ainda não têm casos, já que ele pode ser transmitido por assintomáticos. Além disso, as cidades do Interior são muito deficientes na questão de tratamento, especialmente de UTIs. Neste momento, não é uma boa ideia viajar. (Luciano Goldani)
Estamos passando por um momento no qual está preconizado o distanciamento social. Quando uma pessoa sai de uma capital e vai para uma cidade menor, ela está saindo de uma região que tem mais transmissão de coronavírus para uma região que tem menos. Então, ela pode levar o coronavírus, mesmo assintomática. (Gerson Salvador)
Se preciso me deslocar para outra cidade, quais cuidados devo tomar?
Deslocar-se em um carro individual e sem muitas pessoas juntas. Mas se for para uma visita, isso nem deveria estar acontecendo. Imagino que a pessoa vá por alguma necessidade, para resolver algum problema ou para ajudar alguém. Nestes casos, que vá sozinha e que evite contato com outras pessoas enquanto estiver lá. Fique em ambiente separado para não ter contato com familiares, e, claro, higienize as mãos. (Claudio Stadnik)
Se estiver doente, com manifestações clínicas de infecção respiratória (como febre, tosse, espirro e coriza), não viaje. Se estiver assintomático e precisa ir, o mais importante é evitar se aglomerar, mantendo distanciamento mínimo de dois metros. Também deve-se intensificar lavagens de mãos com água e sabão, por 20 segundos, e, quando não for possível, com álcool gel. Viajar num carro com cinco pessoas? Péssima ideia. Entrar num ônibus? Idem. Pegar um avião? Só se for extremamente necessário. Viagens, apenas as essenciais. (Luciano Goldani)
A maior parte dos casos é pouco sintomático. Se tiver sintomas respiratórios, a recomendação é que a pessoa não se desloque. Fique em casa distanciado tanto quanto for possível da família. Se viajar, tenha insumos para, durante a viagem, fazer a higiene das mãos e do carro, evitando aglomerações no caminho. (Gerson Salvador)
Há risco se entrar no carro dentro da minha casa e desembarcar apenas na garagem, no Interior ou no Litoral?
O risco é menor. Indico, se tiver de viajar, vá sozinho. Entre no carro e vá direto, sem manter contato com nenhuma outra pessoa até chegar ao destino. (Claudio Stadnik)
Todos dizem isso: vou para a minha casa, sozinho, de uma garagem para a outra. Mas se de 300 mil pessoas que forem para o Litoral, sozinhas em seus carros, desembarcando em sua garagem, 10 estiverem infectadas, sem sintomas... Elas irão ao supermercado, contaminadas, e outras pessoas podem ser infectadas. A contaminação não se dá apenas pela via respiratória, mas também pelas superfícies. Resumindo: uma pessoa contaminada e assintomática vai ao mercado, toca em um monte de produtos, e um morador da praia acaba infectado. (Luciano Goldani)
O risco de contrair o coronavírus estando fechado dentro do próprio carro é muito pequeno, só se pessoas que também estiverem no veículo estejam infectadas. Porém, a média é de seis dias entre contrair o vírus e ter os primeiros sintomas. E esse tempo pode durar até 14 dias. É possível que a pessoa viaje absolutamente assintomática, mas já esteja com o vírus e acabe desenvolvendo os sintomas em um segundo momento. (Gerson Salvador)
Posso visitar meus familiares no Interior, por exemplo, de ônibus?
Não recomendo. Não devemos fazer isso. Visita só por visita não se justifica. A não ser que vá para ajudar algum parente que está com problemas. Tudo bem, essa é a prioridade. O ônibus é um dos lugares onde mais se pode ser contaminado e contaminar outros. (Claudio Stadnik)
Não. Pode fazer videoconferência. Não é a mesma coisa, mas fazer o quê? (Luciano Goldani)
Neste momento, distanciamento social. Cada um no seu canto, evitando contatos e aglomerações tanto quanto for possível. Uma pessoa que está numa região que tem mais coronavírus e vai para uma região que tem menos pode levar o vírus. É claro que há circunstâncias em que é necessário o contato. Por exemplo, se a pessoa irá cuidar de um dependente. Nesses casos, quando é absolutamente necessário o contato, lembre de fazer a higiene das mãos com álcool gel, água e sabão, da etiqueta respiratória e, se tiver com algum sintoma respiratório, de usar máscara. Mas não se deve ter contato se não for extremamente necessário. (Gerson Salvador)
Se for necessário, quais precauções preciso tomar?
Leve álcool gel e higienize as mãos frequentemente durante a viagem. Fique em um banco separado, sem ninguém ao lado. Use máscara e evite sair nas paradas, para comer ou comprar alguma coisa. Melhor levar de casa para não ter contato com outras pessoas. E, sempre que tocar em alguma coisa, use álcool gel. (Claudio Stadnik)
Esse ônibus não pode estar cheio. É absolutamente inconcebível lotar um ônibus. Não sente ao lado de outra pessoa e mantenha as janelas abertas. Se alguém estiver doente, espirrando ou tossindo, deve usar máscara. E use álcool gel, porque os bancos podem estar contaminados. (Luciano Goldani)
Leve comida para consumir no caminho e, se precisar comer, pegue para viagem, evite ficar em aglomeração em restaurantes que eventualmente estejam abertos na estrada. E evite ficar circulando na cidade do interior ou litorânea, cuidando para ter o menor deslocamento necessário. (Gerson Salvador)
Estou isolado em casa há 14 dias. Posso sair para visitar familiares?
Se a pessoa manteve o isolamento correto durante 14 dias, o seu risco de transmissão é mínimo. Só que, ao se deslocar até seus familiares, poderá ser contaminada por eles. Não recomendo nenhuma visita. (Claudio Stadnik)
Não. A chance de não ter o vírus é alta, mas, toda vez que se tem contato com uma pessoa, pode acabar contaminada. Se é uma pessoa vulnerável, acima de 65 anos ou que tem doenças cardíacas ou pulmonares, o risco de um desfecho grave pela doença é muito alto. Não dá para correr o risco de levar esse vírus para a casa dessas pessoas. Mesmo estando de quarentena, no período da viagem, pode adquirir a doença. Não vale a pena correr esse risco. (Luciano Goldani)
Os 14 dias são o tempo de incubação possível do coronavírus. Se você for visitar um parente depois de 14 dias nos quais não teve contato com ninguém, provavelmente você não está infectado. Mas, ao menos que seu familiar também tenha permanecido isolado, ele pode ter pegado o vírus e você pode ser infectado. Então, os contatos interpessoais devem ser limitados ao que for extremamente necessário. Isso é bastante doloroso, mas estamos passando por uma circunstância excepcional. (Gerson Salvador)
Qual o problema de ir para uma cidade onde não há nenhum registro de casos de covid-19?
Essa epidemia é muito rápida, muitas pessoas estão assintomáticas e não sabem que têm o vírus. Numa cidade do interior de São Paulo, por exemplo, que não tinha nenhum caso, houve uma festa de aniversário e, de repente, três membros da mesma família morreram. Não é seguro, mesmo que a cidade não tenha nenhum caso. Nem todos estão sendo testados, apenas os pacientes graves. (Claudio Stadnik)
A pessoa pode ser o transmissor da doença na cidade. Como o vírus se espalha facilmente entre as pessoas, pode estar levando a doença mesmo sem sintomas. Mais uma razão para não ir a essas cidades. Há uma testagem baixa, ainda não se tem uma ideia adequada do número de pessoas infectadas. (Luciano Goldani)
Há risco de você ser o vetor, mesmo se estiver no período de incubação ou for um portador assintomático (de 80% a 90% dos portadores são assintomáticos). Se você está em um lugar com bastante coronavírus e vai para outro onde não tem ninguém com coronavírus, você pode ser um vetor que pode transmiti-lo pela comunidade. Então, distanciamento social e cada um no seu lugar, não só como estratégia de proteção individual, mas coletiva. (Gerson Salvador)
Se adoecer no Interior ou no Litoral, os hospitais têm capacidade de atendimento?
Nos últimos anos, há grande dificuldade de manter estruturas hospitalares no Interior. Por vários motivos, dos sistemas de saúde e econômico. Isso fez com que as estruturas hospitalares no Interior ficassem enfraquecidas. Portanto, a cidade pode não ter a estrutura necessária para atendimento. Muitos pacientes, às vezes, têm de ser deslocados para a Capital. Numa epidemia, em que tudo acontece muito rapidamente, a pessoa também pode piorar muito rapidamente, necessitando de atendimento em determinada cidade. Não há outra maneira de evitar o problema que não seja dar tempo para que as autoridades estruturem o sistema de saúde. O isolamento social é importante justamente por isso. (Claudio Stadnik)
Principalmente nas pessoas vulneráveis, essa doença tem desfecho muito ruim, que exige tratamento complexo, unidades de tratamento intensivo, respiradores e profissionais paramentados para se protegerem. Nossas cidades do Interior não têm capacidade para atender um grande número de pacientes. Nem as do Litoral. Tudo bem, algumas ficam perto de Porto Alegre. Mas, muitas vezes, o desfecho da doença acontece em 24, 48 horas. Os pacientes começam com uma tosse e, em menos de 48 horas, estão com falta de ar. Precisam de atendimento imediato. As cidades do Interior e do Litoral não estão preparadas para isso. Essa é outra razão para as pessoas não se deslocarem. (Luciano Goldani)
Um lugar onde tem menos transmissão também costuma ser um lugar com menos infraestrutura de atendimento hospitalar. Uma pessoa que eventualmente desenvolva um quadro de maior gravidade pode ter acesso a um eventual tratamento hospitalar dificultado, se necessário. É um movimento controverso. Pode ter benefícios, de facilitar o distanciamento social, principalmente de famílias que têm muitas pessoas na mesma casa, mas há questões que precisam ser pensadas como contrapontos importantes. (Gerson Salvador)