Tem circulado pela internet um vídeo em que um médico gaúcho chamado Ricardo Ariel Zimerman fala que Neil Ferguson, médico epidemiologista britânico e um dos responsáveis pelos estudos dos impactos da covid-19, teria revisto os seus cálculos sobre mortes no Reino Unido e, da projeção de 500 mil mortes no país, agora "somente" 20 mil vidas seriam perdidas. Ricardo cita um vídeo e uma matéria de um jornal inglês, onde teria saído a notícia. Com esses argumentos, tenta provar que o isolamento social não é recomendado como medida de prevenção no Brasil.
No entanto, a informação é falsa. Oito horas depois da publicação, o médico gaúcho, assim que alertado da atualização no site Daily Wire, fonte primária da notícia, postou um vídeo corrigindo o que havia dito anteriormente, alegando que o site era considerado por ele como uma fonte de confiança.
— Um colega meu me alertou de que eles haviam atualizado a informação. Por isso, fiz um novo vídeo e expliquei os meus pontos — afirma Zimerman.
O próprio Ferguson, inclusive infectado com o vírus, foi ao seu Twitter corrigir um possível desentendimento das pessoas sobre uma de suas falas ao comitê parlamentar do Reino Unido. Na publicação, o médico britânico afirma que as estimativas de letalidade permanecem inalteradas e que a doença é, inclusive, mais contagiosa do que o imaginado. Ele ainda completa afirmando que o número de 20 mil pessoas no qual se referiu é um valor caso o governo tome as medidas de isolamento social e outras relacionadas como maneira de prevenção. A fala do médico foi ratificada em publicações como a National Review e a New Scientist, conhecidas na comunidade médica.
Por que o isolamento social é importante?
Apesar de não ser amplamente aceito no governo federal, muitos governadores e prefeitos têm instituído em suas cidades e Estados o isolamento social como a principal medida de prevenção contra o coronavírus, além, claro, da etiqueta respiratória e da higienização de partes do corpo e de superfícies. Segundo a comunidade médica, o isolamento é a providência mais impactante no achatamento da curva de infectados com a doença.
— Centenas de cientistas e epidemiologistas do mundo todo estão chegando à mesma conclusão. O isolamento é a medida mais forte para conter o aumento de casos e achatar a curva. A epidemia está há pouco tempo em andamento, então, algumas evidências ainda não são tão claras, mas todas as complementares nos levam a crer que o isolamento trará benefícios — afirma Claudio Stadnik, médico do controle de infecção da Santa Casa e professor da Ulbra.
A opinião de Stadnick é também posta por André Luiz Machado, infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Ele acrescenta que a restrição de contato também dá tempo para um melhor entendimento sobre as características da doença.
— É uma doença nova, com características de hemisfério norte que talvez não se repitam no sul. O isolamento é positivo para conhecer o coronavírus, diminuir as chances de contágio em um momento como esse. Neste momento, se traça uma estratégia de prevenção, de conscientização da população. Serve para acompanhar o aspecto epidemiológico para ver se vamos entrar em estabilização ou se manterá a ascensão da curva. Ainda acrescentaria que o mais importante é começar a testar as pessoas para avaliar se a restrição está sendo válida ou não, para depois iniciar a retomada — salienta Machado.
Médico infectologista e especialista em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Gerson Salvador utiliza o exemplo da Itália, que demorou a efetuar o lockdown (termo inglês para isolamento social) e atualmente é um dos países com mais casos de coronavírus.
— Não gostaríamos que aumentasse a quantidade de casos a ponto de colapsar o Sistema Único de Saúde (SUS). A epidemia só se controla quando a maioria da população tiver anticorpos. Se a gente conseguir distribuir isso no tempo para evitar o colapso, melhor. Na Itália, vimos o resultado do isolamento tardio. Precisamos investir em medidas como a restrição — ressalta.
Atualmente, o Brasil registra 92 mortes e 3.417 infectados pela doença.
A pedido de GaúchaZH, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) emitiu nota em relação ao vídeo publicado por um de seus filiados:
O Cremers não se pronuncia a respeito de opiniões individuais de profissionais médicos. Segue orientações institucionais do Conselho Federal de Medicina e, no caso da Covid-19, orientações técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde. Em relação ao vídeo, se alguma pessoa considerar que houve infração ética, deve encaminhar denúncia formal à Corregedoria do Cremers, por meio do email denuncia@cremers.org.br.