Nenhuma cidade divide tanto os franceses como Marselha. Para cada fã que exalta o mar aquecido pelo sol, a costa escarpada, a bouillabaisse caprichada e a diversidade mediterrânea (graças aos imigrantes que, ao longo do século XX, chegaram da Grécia, Espanha, Itália, Córsega, Marrocos, Tunísia e Argélia), tem alguém reclamando da corrupção, da sujeira nas ruas e da perda da "francesidade". Onde os defensores da cidade portuária veem uma metrópole orgulhosa e prática, sem pretensões burguesas, outros veem falta de refinamento.
Talvez inevitavelmente muitos lamentem que Marselha esteja perdendo seu perfil operário, tão distinto, e a alma do sul da França, enquanto outros, como é de esperar, comemoram sua modernidade, ambição e agito.
No entanto, todos concordam que Marselha é uma cidade em metamorfose. Vários projetos grandiosos de renovação urbana modernizaram a orla, incluindo espaços culturais modernos, shopping centers e arranha-céus projetados por arquitetos renomados. Ao mesmo tempo, a culinária sazonal ambiciosa, os coquetéis artesanais e as lojas conceituais de moda independente – de que antes quase nem se ouvia falar – agora estão se fazendo notar, infundindo na cidade algo que lhe faltava: bossa e cacife. Talvez inevitavelmente muitos lamentem que Marselha esteja perdendo seu perfil operário, tão distinto, e a alma do sul da França, enquanto outros, como é de esperar, comemoram sua modernidade, ambição e agito.
Sexta, 15h30
Estudos urbanos
Construído entre os séculos XIV e XVII, o Forte St. Jean foi reformado e reconfigurado como espaço público e é parte essencial da iniciação marselhesa. Suas ameias, torres e jardins de cobertura oferecem uma vista impressionante das águas azuis e do perfil da cidade, da pós-moderna Villa Méditerranée, logo ali ao lado, às igrejas neobizantinas do século XIX, ou seja, a basílica de Notre-Dame de la Garde e a Cathédrale Sainte-Marie-Majeure. Entrada a 9,50 euros, ou cerca de US$ 10,50.
17h
Cubo cultural
O mar é responsável pelo surgimento de Marselha, pois foi através dele que chegaram os gregos e romanos que assentaram as primeiras pedras na antiga Massilia – e a cidade retribuiu o favor com o MuCEM, um complexo de museus à beira-mar dedicado ao Mediterrâneo e às suas civilizações. Uma ponte para pedestres alta liga o Forte St. Jean ao museu em forma de cubo do complexo, conhecido como J-4. Podem-se apreciar outras vistas panorâmicas, como a do lounge na cobertura e as passarelas exteriores, de vidro, em cada fachada, enquanto duas exposições no térreo oferecem visões da história regional – "Ruralités", dedicada à história agrícola da bacia, e "Connectivités", que impressiona com sua evocação colorida das forças marítimas renascentistas, incluindo Istambul, Veneza, Sevilha e Lisboa, por meio da cerâmica otomana, das sedas italianas e muito mais. A livraria conclui sua educação local com guias, mapas, obras e estudos históricos como "Marseille Ou La Mauvaise Réputation".
19h30
Deleite duplo
Muitas das ondas de imigrantes que chegaram a Marselha desembarcaram no distrito de Panier, um labirinto de vielas estreitas, praças minúsculas e casas em tons pastel castigadas pelo tempo. A Rue de Lorette oferece dois sabores clássicos marselheses mediterrâneos: um deles são as pizzas de massa fina e crocante em duas opções: anchovas, com o peixe fresco e molho vermelho, saboroso; ou queijo, bem suculenta (15 euros), do Chez Etienne, casa animada fundada por sicilianos em 1943. Atravessando a rua, você chega ao Marrocos, ou melhor, ao Ahwash, restaurante & butique com ares de sala de estar. Destaque para o cordeiro assado, o tajine de frango com limões em conserva (16 euros) ou o excelente tajine de carne, pimentão e cebola caramelada (16 euros). De quebra, ainda dá para levar para casa louças, cerâmicas e velas marroquinas.
22h
Um brinde à cidade
O prédio grandioso do século XVIII onde antes funcionava um hospital e que hoje abriga o Intercontinental Marseille – Hotel Dieu agora também oferece vinhos, cervejas, destilados (com destaque para o gim) e coquetéis no bar Le Capian. Espaço amplo decorado com sofás de plush e tapetes, o estabelecimento oferece inúmeros produtos provençais, incluindo a cerveja Doucillon (10 euros) e o coquetel Le Daviel (pastis, licor de lichia, calda de especiarias e champanhe; 21 euros). Se nada disso o impressionar, certamente a vista do porto iluminado o deixará de queixo caído.
Sábado, 11h
Marselha à moda da casa
Se sua lista de compras incluir uma versão em concreto da cabeça do Yoda ou meias com temas de tirinhas eróticas, então não deixe de passar na Chez Laurette. Depois de trabalhar em Paris para a Marc Jacobs, o dono da butique voltou à terra natal para abrir uma loja conceitual onde todos os itens são produzidos na França. A moda reina nas botas de couro da La Botte Gardiane, nos vestidos dos anos 60 da Mood-eh e outras grifes nacionais. Na Le Diable Méridien você encontra tudo em couro, desde relógios da Les Partisanes a mochilas da Bleu de Chauffe, enquanto o café-butique Jogging oferece opções de estilistas cult como Simon Jacquemus (moda preppy) e Marine Serre (vestidos e acessórios rock 'n' roll chic).
13h
Peixe do dia
Comandado por uma equipe jovem e tatuada e decorado com bom humor e excesso no estilo náutico kitsch, La Boite à Sardine a princípio parece uma versão bobinha da casa de frutos do mar tradicional, mas o cardápio tem tudo para agradar até o purista mais empedernido: tudo é fresco e a preparação vai direto ao ponto. Há ostras, ouriço-do-mar, lula e pescada no cardápio, além do camarão frio e crocante (com o acompanhamento perfeito da maionese de aioli) e lapas de bonito, servido com uma crosta empanada torradinha. Acompanhamento melhor que o branco frutado Coteaux d'Aix-en-Provence não há. Dois pratos para duas pessoas saem por 50 euros.
15h
Muito a absorver
Não insulte o Friche La Belle de Mai chamando-o de "museu de arte". Situado na área ampla onde antes funcionava uma fábrica de cigarros, o complexo pode ser descrito como um espaço amplo e versátil com café, restaurante, bar, livraria, parque de skate, playground, galeria de grafites, sala de concertos, escola de jardinagem e, às vezes, estúdio de ioga que por acaso também recebe exposiçõees rotativas de arte contemporânea. Ou seja, é um espaço que tem tudo para agradar a todos. Ingresso: 5 euros.
18h
Concreto e mar
As inovações que já viraram sua marca registrada estão todas ali: as fileiras de pilastras que tiram o prédio de concreto do chão; as fileiras de janelões; os painéis de cores primárias para dar vida ao exterior cinzento. Imenso e modernista, o chamado Cité Radieuse só poderia ter saído da mente fértil de Le Corbusier – embora o arquiteto suíço estivesse de olho nos anos 40 e 50, quando o Brutalismo ainda era futurista. Considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2016, várias áreas do prédio são abertas ao público, incluindo a galeria de arte MAMO, na cobertura (só no verão), uma nova livraria (especializada em arquitetura, pôsteres e até pinturas) e o Hotel Le Corbusier, com 21 quartos. O terraço externo do restaurante do hotel, Le Ventre de l'Architecte, é o melhor lugar para admirar o pôr do sol no Mediterrâneo bebericando uma cerveja Pietra, da Córsega (4 euros).
20h
Rei da colina
O Sépia deveria ganhar outro nome, já que o atual evoca uma cena pálida e estática, parada no tempo, enquanto o restaurante é novo e bem animado. O chef, Paul Langlère, veterano que já passou por alguns templos gastronômicos de Alain Ducasse, transformou uma lanchonete em desuso em uma das casas mais badaladas da cidade. Situado em uma ladeira verdejante, o salão simples, de ares industriais, oferece vista do centro e serve pratos com ingredientes frescos em preparações inovadoras. Destaque para a cavala defumada com crocante cítrico e tons coloridos (graças ao espaguete de beterraba, à maçã picada e ao iogurte com raiz-forte) e o filé mignon grosso, coberto com algas torradas. Entrada, prato principal e sobremesa a 39 euros.
22h30
Por trás da porta de vidro
Quando a noite cai, quem reparar vai ver vários grupos pequenos e casais que se aproximam de uma loja de suvenires meio brega, abrem a porta e desaparecem lá dentro. É o Carry Nation, um bar tão secreto que, para frequentá-lo, é preciso se inscrever on-line para obter o endereço, o código da porta e as instruções de entrada. E o que o aguarda lá dentro é um universo dos anos vinte, incluindo a mobília e as roupas dos bartenders, que preparam coquetéis como o Un Automne en France (uísque, crème de peche, bitter Racine de Suze, vinho amarelo e verjus; 13 euros). Para quem prefere beber com simplicidade, o Gaspard é um bar forrado de lambris de madeira cujas especialidades incluem La Sieste de Shiva (uísque, chai e abacaxi; 12 euros).
Domingo, 11h
Ilhas quase desertas
Um mundo estranho, inóspito e (quase) deserto se esconde a meia hora do porto: o Arquipélago Frioul. Castigadas pelos ventos e pelas ondas, as quatro ilhotas que o compõem se resumem a penhascos, ravinas, enseadas e rochedos carcomidos pela erosão onde não mais que cem corajosos moram. O Frioul If Express vai levá-lo a If, onde você poderá explorar a prisão desativada do século XVI imortalizada no romance "O Conde de Monte Cristo" – e, de lá, a Ratonneau. Do ancoradouro saem trilhas de cascalho que acompanham a costa e outras que vão para o interior, chegando às ruínas de um hospital do século XIX e a diversas fortalezas. Entre as gaivotas barulhentas e a forte rebentação, o passeio garante paisagens sublimes, principalmente da própria Marselha, que se espalha pelas colinas e ao longo dos despenhadeiros da costa mediterrênea. Passagem da balsa: 10,80 euros ida e volta.
Onde ficar
O porto amplo de Marselha, Le Vieux Port, é o centro pitoresco da cidade. A diária dos estúdios nas suas proximidades, sem vista, pode custar entre US$ 50 e US$ 60 com o www.airbnb.com. Os apartamentos com vista geralmente são maiores e mais luxuosos, com diárias a partir de US$ 120.
Com butique, restaurante, imenso jardim e festa todas as sextas-feiras, o Hotel Maison Montgrand (35 rue Montgrand; 33-4-91-00-35-20) é o formador de opinião da cidade. Os 49 quartos são em estilo minimalista, com madeiras macias e tons neutros. A diária dos quartos duplos fica entre 75 e 165 euros, dependendo da estação e da demanda.
O hotel mais discreto da cidade talvez seja o Le Couvent (6 rue Fonderie Vieille; 33-6-12-31-48-79). Situado em uma estrutura de pedra do século XVII sem placa para chamar a atenção, a mansão não conta com restaurante, nem spa, nem outras amenidades – apenas dez apartamentos estilosos, decorados com peças antigas, obras de arte e livros. Diária a partir de 130 euros.
Por Seth Sherwood