De repente, o ônibus parou na estrada em meio ao pequeno e silencioso vilarejo, no caminho para o centro de Tromso, a maior cidade do norte da Noruega, acima do Circulo Polar Ártico.
– Pela janela vi que temos aqui uma boa chance de observar a atividade. Desçam rápido, por favor, para não perder – alertou a persistente guia de turismo, Trine Risvik, que mantém com o pai, Alf Risvik, a Tromso Friluftsenter, empresa especializada em acompanhar viajantes nas "caçadas" à aurora boreal.
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Na uma hora e meia anterior ao aviso de Trine, o grupo de jornalistas brasileiros esteve em outro ponto ao redor da cidade, mirando o breu do céu nórdico. A busca por um local afastado da luminosidade urbana é fundamental para a observação do fenômeno. Quanto mais escuro, melhor.Embora a intensidade da noite estivesse a nosso favor, fatores mais decisivos pesavam contra. O tempo nublado e os finos flocos de neve que caiam em intervalos irregulares turvavam nossas chances. Fora o principal: o nível da atividade atmosférica que dá vida à aurora estava baixo.
Sob o inclemente frio de -5 ºC, amenizado pelo café quente com biscoitos oferecido por nossa anfitriã, observamos atentos manchas esparsas branqueando faixas do céu, ora mais densas, ora mais esmaecidas, mas nada que já não tivéssemos visto em uma noite encoberta paulista ou de nevoeiro na serra catarinense.
– Já vi auroras melhores – admitia o vice-cônsul da Noruega no Brasil e assessor de marketing do Conselho Norueguês da Pesca, Vasco Tørrissen Duarte, que nos acompanhou durante toda viagem. Cabisbaixos, saímos em direção a outro local para uma segunda tentativa. Apesar do entusiasmo da guia, a maioria já procurava consolo em ser aquela apenas a primeira noite do roteiro de uma semana. Mas para surpresa de todos, a persistência de Trine foi recompensada quando descemos do ônibus no meio do vilarejo.
Ainda que diante da luminosidade artificial de postes, já no primeiro olhar deu para perceber que a coloração estava mais viva. E em questão de segundos, o firmamento se acendeu em uma profusão de luzes verdes acompanhadas de finos traços rubros, que dançaram serpenteantes em forma de arco, de círculo, em ziguezague, giraram, rodopiaram, subiram, desceram. E desapareceram. Rápido como o apagar de uma chama.
Naquela última noite de fevereiro, o evento foi nota 10 em escala de 10, segundo Trine. Admiramos maravilhados a mais espetacular – mas não a primeira e, definitivamente, nem a única – beleza que viríamos a encontrar. De dia, o sol iluminou o branco na neve cobrindo florestas e montanhas caliginosas no caminho até a ilha de Senja. Nos aquecemos sob os raios refletidos nas águas geladas e cristalinas que se estendem por entre os fiordes ao mar, onde o árduo ofício dos pescadores mantém a todo vapor a segunda maior fonte do PIB norueguês, atrás apenas a exploração de petróleo: a indústria pesqueira.
Foi graças a eles que pudemos nos deliciar com o frescor de um recém-fisgado e legítimo bacalhau da Noruega, o Gadus morhua, e outros tipos como saithe, ling e zarbo. Deu até para tentar a sorte com anzóis na ponta das linhas lançadas de dentro de pesqueiros em alto-mar. Um trabalho aprimorado pelos noruegueses desde antes dos Vikings, cujos barcos resistiram aos séculos para contar a história. Embarcações as quais pudemos admirar em um museu em Oslo, capital do país, que ainda reserva a perfeição estética d'O Grito, de Edvard Munch, e das esculturas nuas de Gustav Vigeland entre as incontáveis belezas do inverno no norte nórdico.
* O repórter viajou a convite da Innovation Norway e do Conselho Norueguês da Pesca
Variadas opções de programas culturais
Durante o dia, enquanto se espera pela caçada, vale visitar o Museu da Universidade de Tromso para aprender um pouco mais sobre o fenômeno. Uma apresentação conta como o povo norueguês interpretou as luzes no céu ao longo dos tempos, remontando desde lendas que falam dos espíritos de anciãos e de uma ponte para o mundo dos deuses até chegar a atual abordagem científica.
O museu também guarda uma réplica da Caixa de Terrella, criada pelo físico norueguês Kristian Olaf Birkeland para simular uma aurora artificial e testar sua teoria da relação entre o magnetismo da Terra e a aurora. Além de repetir a experiência na máquina com a própria mão, o visitante ainda conhece um pouco da cultura do sami, o povo indígena que habita a região da Escandinávia há milhares de anos e preserva até hoje alguns de seus costumes da vida nas montanhas.
Ainda em Tromso, há a Polaria, onde aquários abrigam diversas espécies marinhas, com destaque para as focas que se apresentam ao público seguindo os comandos de treinadores. Do lado de fora, o design do prédio que lembra uma queda de dominós é uma atração à parte.
A arquitetura também chama atenção na Ishavskatedralen, a Catedral do Ártico. Construída em 1965 pelo arquiteto Jan Inge Hovig, a igreja triangular é formada por 11 painéis de concreto revestidos de alumínio em cada lado do telhado, com espaço na sobreposição entre eles para permitir a entrada de luz natural, de dia, e da aurora, à noite. Do lado de dentro, mosaicos de vidro tomam a fachada das duas extremidades da catedral, e o gigantesco órgão com 2.940 tubos que medem desde 5mm até 9,6m embala os concertos da meia-noite. Com sorte, dá para ver a aurora dançar ao som de bela música.
Diversão, aventura e renas nas montanhas
Para os aventureiros que buscam, além da aurora boreal, contato direto com a natureza e a cultura nativa, a visita ao Camp Tamok é o caminho. O passeio oferecido pela agência de turismo Lyngsfjord Adventure leva o viajante de micro-ônibus do centro de Tromso pelo trajeto de 90 km até campo de atividades em cerca de 1h15min. Durante cerca de 5 horas no local, dá para aprender um pouco mais sobre a cultura do povo Sami com o casal Roar e Karen Nyheim, que recebem os turistas vestidos com a roupa típica da etnia e contam sobre os costumes e o modo de vida em tendas nas montanhas.
Para o figurino dos visitantes, macacões, botas e capacetes especiais de proteção contra o frio e a neve são obrigatórios antes de qualquer uma das atividades, que podem ser caminhadas, circuitos de snowmobile ou trenós puxados por cachorros. Mas a sensação do Camp Tamok é mesmo o passeio de trenó puxado por renas. Antes de sair pela montanha ao melhor estilo papai-noel, Roar e Karen levam os turistas para alimentar os animais com arbustos de líquen direto da nossa mão. Com paciência e algum cuidado para não levar uma chifrada, dá até para tirar uma selfie com as renas, como este repórter teve o privilégio de obter.
Rota de encher os olhos em Senja
Em nossa viagem, percorremos a rota da ilha de Senja, a segunda maior do país. Ao longo do trajeto de 102 km entre as regiões de Gryllefjord e Botnhamn pelas estradas 86 e 862, íngremes colinas negras que mergulham até as profundezas do oceano proporcionam vistas de tirar o fôlego. A pista estreita serpenteia curvas sinuosas em torno de fiordes – grande entrada de mar aberta por erosão entre montanhas rochosas – e deixa o percusso ainda mais fascinante.
O roteiro exige uma parada no mirante Bergsbotn, onde uma plataforma de 44 metros eleva o visitante sobre o fiorde de Bergsfjord para contemplar a imensidão do horizonte oceano afora. Outro ponto obrigatório é área de descanso em Tungeneset, península que separa os fiordes de Steinjord e Ersfjord, onde foi construído um corredor de madeira siberiana no qual é possível caminhar e admirar a formação rochosa de Okshornan, conhecida como dentes do diabo em razão da forma afiada de seus picos.
O trajeto ainda passa pela praia de Ersfjordstranda, na parte mais interior do fiorde de Ersfjord. Se no verão a praia cercada por colinas escarpadas atrai pela areia fina e branca, no inverno, quando o único branco visível é o da neve que cobre a região, as atenções se voltam para o banheiro público triangular banhado a ouro. Apesar da estrutura ficar aberta apenas durante o veraneio, vale a foto pelo inusitado. Outra imagem no mínimo divertida se consegue dando uma passada no parque temático Senjatrollet, onde se encontra o maior troll – figura da mitologia nórdica – do mundo, com 17,9 metros.
E para descansar depois de visitar os pontos de destaque do roteiro, o hotel Hamn i Senja é um perfeito recantado de aconchego e tranquilidade. No local funcionava um porto pesqueiro, que entre as décadas de 1920 e 1930 representava uma das maiores indústrias de processamento de peixe do norte da Noruega, e encerrou as atividades em 1990. Quatro anos depois, as antigas instalações foram restauradas e transformadas em hotel, com bangalôs de dois andares, sendo um apartamento em cada piso, com uma área comum de sala e cozinha e duas suítes, que também podem ser alugadas separadamente. Além de um farol na ponta da marina, de onde também é possível ver a aurora boreal, o hotel oferece o aluguel de um típico barco de pesca para sair mar adentro em busca de bacalhau.
Em Husoy, segredos do "ouro branco" vindo dos mares
A rota turística de Senja também indica uma passagem pelo vilarejo na ilha de Husoy, dentro do fiorde de Oyfjorden, lindo de se ver a partir da estrada no alto da montanha. Mas o local vai fisgar mesmo os curiosos pelos estágios do processamento de peixes, especialmente o legítimo bacalhau norueguês. Nas inúmeras indústrias da ilha, o visitante pode acompanhar da chegada do Gadus morhua recém-pescado nas águas turbulentas e geladas até a sua preparação final para comercialização.
Nada do bacalhau é desperdiçado. As cabeças, avistadas logo na chegada a Husoy, secando ao vento penduradas em uma armação de taquaras, viram ingrediente essencial para caldos em países da África. A língua, retirada em um processo manual de corte que impressiona pela velocidade, tem grande consumo em Portugal e na própria Noruega. E o corpo alongado, estrela do peixe, segue para o tradicional método de salga que permite sua exportação para várias partes do mundo.
Não à toa, o Conselho Norueguês da Pesca criou o selo com a palavra Norge (Noruega no idioma local) para certificar a origem do bacalhau, chamado de "ouro branco" no país que tem a pesca como segunda maior atividade econômica.Grande parte dessa produção vai parar na mesa dos brasileiros.
Do total de 87.652 toneladas exportadas em 2015, 19.479 toneladas vieram para o Brasil, maior mercado do bacalhau norueguês, em uma parceria iniciada em 1842, quando o primeiro veleiro nórdico chegou ao Rio de Janeiro com cargas do peixe e retornou com café brasileiro – troca comercial que segue até hoje.
Na Capital, o fascínio das artes
Oslo tem tudo que se espera de uma grande metrópole europeia, de grandes shoppings e lojas de marcas famosas a impressionantes pontos turísticos _ como o centro artístico Opera House e o prédio da prefeitura, onde anualmente ocorre a entrega do Prêmio Nobel da Paz. Mas o que mais encanta é a riqueza estética e cultural dos museus e obras de arte da cidade.
O Parque Vigeland, a três quilômetros do Centro, reúne 212 estátuas de pedras, bronze e ferro fundido esculpidas pelo norueguês Gustav Vigeland (1869-1943) _ é o maior do mundo com obras de um só artista. O local é a "Redenção" dos noruegueses, que desfrutam da área tanto no verão quanto no inverno. A paisagem coberta pelo branco da neve ressalta a beleza das esculturas de homens, mulheres, crianças e idosos – todos nus –, em diversas poses, distribuídas pelo parque em um desenho pensado pelo próprio Vigeland para simbolizar o ciclo da vida.
A figura de um garotinho choroso batendo o pé no chão, nomeada Sinnataggen (ou Little Hot-Head em Inglês - pequeno cabeça quente), é a mais procurada para fotos, por vezes chamada de Mona Lisa de Vigeland. A 10 minutos de carro dali, encontram-se outras magníficas obras de arte, essas em madeira. O Vikingskipshuset, museu dos barcos vikings, guarda relíquias do povo desbravador do mares, encontradas enterradas no fiorde de Oslo. São três embarcações do século 9: Gokstad, Tune e Oseberg. A última, uma das mais bem preservadas do mundo, mede quase 22 metros de comprimento e podia navegar com até 30 remadores.
Além de belas esculturas e do trabalho artesanal viking, a Noruega é terra de ícones da pintura. Na Galeria Nacional de Olso, que preserva quadros de inúmeros estilos, está uma imagem do homem com sua boca aberta, olhos vitrificados pelo medo, cobrindo as orelhas com as mãos. É a obra original - em óleo sobre tela - de uma série de quatro versões de O Grito, pintadas por Edvard Munch (1863-1944). Em 2012, um americano pagou 90 milhões de euros pela versão em pastel sobre cartão. As outras duas estão expostas no Museu Munch, também na Capital, com outras cerca de 20 mil obras do artista.