Um dos motivos pelos quais amo a Inglaterra é a sua música. E um dos motivos pelos quais amo a música inglesa é uma banda chamada The Beatles. Muitos pontos de Liverpool, a cidade natal do quarteto, estão ligados ao grupo, principalmente ao início de sua carreira. É legal fazer o passeio com a discografia completa no mp3 ou no celular, para ouvir as canções inspiradas em cada lugar.
Recomendo começar a visita pelas margens do Rio Mersey. Dá uma vontade de cantar "So ferry 'cross the Mersey 'cause this land's the place I love and here I'll stay", do Gerry and the Pacemakers. A sensação de "ok, estou em Liverpool, berço do merseybeat, terra dos Beatles", te deixa nas nuvens.
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A parada obrigatória do passeio pela beira do rio é a Albert Dock, um dos símbolos da cidade. Nesse prédio, fica a Beatles Story, uma exposição permanente sobre os garotos de Liverpool. São réplicas de ambientes que retratam momentos do grupo, como a loja de discos e instrumentos musicais NEMS, de Brian Epstein, o lendário Cavern Club, onde os Beatles tocaram quase 300 vezes no começo da carreira, e o Casbah Club, onde fizeram mais de 40 shows.
Além disso, o Fab4D mostra um curta animado cheio de efeitos especiais. Outras peças incluem um submarino amarelo, um painel com a capa do Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, uma sala dos estúdios Abbey Road e mais espaços que contam a história de uma das maiores bandas do mundo. Antes de sair, o visitante passa por uma sala toda branca, onde, em cima de um piano, também branco, estão uma foto e um óculos de John Lennon. Dá um aperto no peito pensar em como essa história terminou.
O Liverpool One é um complexo de lazer com lojas, bares, restaurantes e cinemas. Até quem não gosta de shoppings pode apreciar o passeio, principalmente porque é um dos caminhos mais agradáveis entre a Albert Dock e a Mathew Street.
Nessa rua fica o Cavern Club, um dos locais mais famosos da história dos Beatles. Tamanha é a importância do bar que toda aquela região é conhecida como Cavern Quarter. Mas o estabelecimento de hoje não é o mesmo espaço em que a banda tocava. O Cavern original ficava alguns metros abaixo, no porão de um armazém. Os integrantes da banda começaram a tocar lá, separadamente, no ano de abertura, em 1957, mas a primeira apresentação deles como Beatles nessa casa foi em fevereiro de 1961, com um cachê de 5 libras. Na última, em agosto de 1963, eles receberam 300 libras. Foi em um dos 292 shows no clube que Brian Epstein os viu tocar e, impressionado com o grupo, decidiu ser seu empresário.
O lugar fechou definitivamente em 1973 para obras da linha férrea (que não aconteceram). O novo Cavern, construído em uma parte da área original e um pouco maior, foi aberto em 1984. As paredes de tijolo (alguns retirados do antigo clube) são cobertas de assinaturas dos fãs que passam pelo local. Uma banda cover se apresenta em algumas noites e, enquanto eles tocam, é possível imaginar a loucura dos espetáculos dos jovens cabeludos tocando no porão pequeno e abafado no início dos anos 1960.
Na Mathew Street estão alguns bares frequentados pela banda, como o The Grapes e o White Star. Parar em algum deles para o almoço é providencial. Além do descanso (necessário), uma refeição tipicamente inglesa oferece energia para o resto do passeio. O Cavern Pub é uma outra atração que vale a visita. Não é daquela época, mas sua fachada é coberta por tijolos com os nomes dos artistas que tocaram no clube, e sua decoração é feita com memorabilia de alguns desses músicos. Quase na entrada do estabelecimento, há uma estátua de John Lennon. Um pouco mais abaixo, na Stanley Street, há uma estátua representando Eleanor Rigby e "todas as pessoas solitárias".
Uma rua do passado
Uma atração que fica longe da região central, mas é indispensável em uma visita a Liverpool, são as imediações da rua Penny Lane. A canção mistura ficção e lembranças de Lennon e McCartney, que moravam na região. Alguns elementos da música estão presentes nas redondezas. Na Allerton Road, estão o banco ("on the corner is a banker with a motorcar, the little children laugh at him behind his back") e o abrigo no meio da rotatória ("behind the shelter in the middle of a roundabout, a pretty nurse is selling poppies from a tray"). Também há uma barbearia um pouco mais acima na Church Street ("in Penny Lane there is a barber showing photograph of every head he's had the pleasure to know").
Na rua, fica o Penny Lane Development Trust, centro comunitário onde se pode aprender sobre a região. Entrando na Dovedale Road, vê-se a escola infantil onde John e George estudaram. A menos de um quilômetro dali está a casa onde John viveu com a mãe, Julia, até mais ou menos os cinco anos (nº 9 da Newcastle Road). George também morava perto, na Arnold Grove, nº 12, onde nasceu e viveu até os sete anos.
O início de tudo
Não muito distante da Penny Lane fica a Calderstones School, antiga escola Quarry Bank, onde John estudou. Foi lá que ele formou sua primeira banda, a Quarrymen, que evoluiu para os Beatles. Cruzando o parque Calderstones, alcança-se o nº 251 da Menlove Avenue. Nessa casa, conhecida como Mendips, John foi criado pelos tios Mimi e George. Ele morou neste endereço dos cinco aos 23 anos – quando, já um beatle mundialmente famoso, mudou-se para Londres. Nesse local, foram compostas inúmeras canções do grupo. Em 2002, a viúva de John, Yoko Ono, comprou o imóvel e o doou para o National Trust, que administra tours pelo local mediante reservas antecipadas.
Dobrando a esquina na Beaconsfield Road, está o mítico portão vermelho de Strawberry Field. Não há nada além do portão de ferro e do muro, mas o lugar é mágico. Uma parada é fundamental para contemplar a paz do espaço, ouvir a canção e descansar as pernas (o passeio é tão agradável que quase não se nota, mas são vários quilômetros de percurso). Strawberry Field era um orfanato do Exército da Salvação cujas festas John costumava frequentar com tia Mimi. Ele também pulava os muros da propriedade para sentar sob as árvores.
Um dos locais mais importantes para a história da banda fica a umas 10 quadras dali. Foi no salão da St. Peter's Church que John Lennon e Paul McCartney se conheceram, em 6 de julho de 1957. Depois de assistir à apresentação da Quarrymen na Woolton Village Fete, Paul foi apresentado a John, tocou algumas músicas e, cerca de duas semanas depois, tornou-se o mais novo membro da banda.
O local, geralmente, fica fechado. Encontrei um grupo de brasileiros acompanhados de um funcionário da igreja que lhes mostraria o lugar. Imediatamente, mas ainda não acreditando na minha sorte, juntei-me a eles para a visita. Nosso guia nos levou para um ponto no fundo do salão e anunciou "foi aqui que John e Paul se encontraram pela primeira vez". As lágrimas que escorreram no meu rosto foram involuntárias (e as mais discretas possíveis). Não sei quanto tempo fiquei parada ali, com as pernas bambas, imaginando como teria sido a primeira conversa entre os dois gênios.
A casa de Paul localiza-se a mais ou menos dois quilômetros da igreja, no nº 20 da Forthlin Road. Ele se mudou para este imóvel aos 13 anos com o pai, Jim, o irmão mais novo, Mike, e a mãe, Mary, que morreu pouco tempo depois (mais tarde, ela seria homenageada em uma das canções mais famosas da banda, no trecho "when I find myself in times of trouble, mother Mary comes to me, speaking words of wisdom, let it be"). A dupla Lennon/McCartney constantemente se encontrava ali para compor. Em 1996, o National Trust comprou a propriedade e hoje oferece visitas guiadas (no mesmo esquema do tour da Mendips).
Bares e clubes
O primeiro empresário dos Beatles foi Allan Williams. Foi ele quem levou a banda para sua primeira turnê em Hamburgo, na Alemanha, em 1960. Williams era dono de dois bares em Liverpool, que não ficam longe do Cavern Quarter: o Jacaranda, na Slater Street, e o Blue Angel, na Seel Street. O Jacaranda, ou The Jac, abriu em 1958 e se tornou um ponto de encontro dos alunos do Liverpool Art College, entre eles John e Stuart Sutcliffe, que ajudaram a decorar o local em troca de um espaço de ensaio para sua banda. Nas noites em que os músicos da casa estavam de folga, os Beatles subiam ao palco do The Jac, recebendo em troca torradas com feijão doce e refrigerante. A banda também fez aparições ocasionais no Blue Angel.
Outro espaço importante é o Casbah Club. John, Paul e George tocaram na inauguração do estabelecimento, em 1959. No total, foram 44 shows ali em quase três anos. Eles, inclusive, ajudaram a decorar o lugar. O clube pertencia a Mona Best – seu filho, Pete, integrou a banda entre 1960 e 62. A casa fica afastada do centro da cidade, na região de West Derby, e é preciso fazer uma reserva antecipada para visitar o bar, que ainda exibe objetos originais. O passeio vale caso tenha mais de dois dias na cidade.
Em Liverpool, caso sobre tempo, vale uma visita ao aeroporto da cidade, que também faz referência à banda. Há uma estátua de John no Liverpool John Lennon Airport. Do lado de fora, um monumento imita um submarino amarelo (foto acima). No bairro Speke, que fica nas redondezas, estão duas casas de Paul – na Western Avenue nº 72, ele morou dos quatro aos 10 anos, quando se mudou para a Ardwick Road, nº 12, em que ficou até a mudança para a Forthlin Road.
George morava a uns 500 metros, na Upton Green nº 25, em que viveu de mais ou menos os sete anos até o início da carreira dos Beatles. Praticamente vizinhos, Paul e George usavam o mesmo ônibus para ir ao Liverpool Institute, escola onde estudavam. Foi nessas viagens que a amizade entre os dois se fortaleceu. Depois de sair da Upton Green, George se mudou com a família para a Mackets Lane, nº 174 (que não visitei, por falta de tempo), em que viveu entre 1962 e 1965, quando viu a beatlemania se espalhar pelo mundo.
Ringo morou em dois lugares no bairro Dingle. A Madryn Street, nº 9, onde viveu até o começo da infância, quase foi demolida há alguns anos, mas a fama de seu antigo morador a salvou deste destino. Após a separação de seus pais, ele foi para a Admiral Grove, nº 10, onde viveu por cerca de 20 anos, até que o sucesso dos Beatles o obrigou a se mudar para a capital britânica.