A neve caía sem piedade sobre os galpões escuros ao longo da Union Street, no Brooklyn. O cenário não poderia ser mais diferente das comunidades de aposentados na Flórida, sempre ensolarada, mas dentro de uma fábrica antiga, o espírito de Saint Petersburg estava mais vivo do que nunca.
Como no deque de um condomínio de luxo de Miami, dez quadras pintadas em um azul brilhante se alinhavam -, mas em vez de lotadas de aposentados, estavam cheias de jogadores entre vinte e trinta anos com tacos e copos de cerveja nas mãos.
O Clube de Shuffleboard Royal Palms, inaugurado em janeiro, é o primeiro do gênero em Nova York e está tentando popularizar o passatempo favorito dos septuagenários entre os representantes da Geração Y que gostam de frequentar os bares locais.
Talvez o Brooklyn e o shuffleboard não sejam a combinação mais óbvia do mundo, mas ambos têm coisas em comum: o esporte exige pouco fisicamente e oferece bastante tempo para bebericar o que quer que seja entre uma partida e outra, dois detalhes que podem atrair aqueles que preferem mascarar o atleta interior com ironia e indiferença.
A missão não é tão quixotesca como parece; afinal, o boliche também era a atividade exclusiva dos barrigudinhos até 1998, quando ganhou tratamento especial dos irmãos Coen em "O Grande Lebowski" - e o resultado é que agora os bairros do Brooklyn estão lotados de pistas (Gutter, Brooklyn Bowl) e, em dezembro, o advento da versão hipster foi oficializado com a inauguração de uma Brooklyn Bowl em Londres.
O mesmo aconteceu com o pingue-pongue, jogado apenas por velhos judeus e jovens chineses em clubes escondidos até que um herdeiro da indústria automotora chamado Jonathan Bricklin e um príncipe nascido em Madagascar, Franck Raharinosy, abriram um pequeno clube de tênis de mesa no Clube Nacional de Artes de Nova York, em 2008, que ficou conhecido como Spin. Bricklin começou a namorar Susan Sarandon, que resolveu pegar na raquete, e o resultado é que agora há filiais do Spin em Dubai, Los Angeles, Milwaukee e Toronto.
Atualmente o pingue-pongue pode ser encontrado em galerias de arte, hotéis badalados, clubes privados e até fez uma participação especial, carregada na nudez, em "Girls", da HBO, o mais próximo que chegou de ser declarado o esporte oficial dos jovens alienados.
A história do Royal Palms começou há dois anos, quando Jonathan Schnapp, um DJ, fabricante de piñatas, desenvolvedor da internet e professor de Design Gráfico na Universidade de Nova York de 41 anos estava indo de carro para a Flórida com a amiga, Ashley Albert, dubladora, vocalista da banda de rock 'n' roll para crianças The Jimmies e design de joias. Os dois, aliás, iam participar do júri de um concurso de churrascos em Lakeland. (Schnapp e Albert também fazem parte do painel da Kansas City Barbecue Society.)
Passando pela região dos jacarés em um Mustang conversível alugado, Schnapp perguntou:
- Nós vamos jogar shuffleboard, né?
Como muitos judeus, ele tinha avós na Flórida e, durante a infância, passou muitas férias de inverno jogando shuffleboard na colônia de aposentados de West Palm Beach.
- Parecia que as pistas se estendiam por quilômetros e mais quilômetros. Era um lugar enorme, pelo menos para mim. Todo mundo jogava.
Jonathan e Ashley se desviaram do caminho para fazer uma parada em Saint Petersburg, que abriga o prestigiado Clube de Shuffleboard de Saint Petersburg, construído em 1924. No auge, entre as décadas de 40 e 50, chegou a contar com mais de 8 mil membros e 105 quadras, lotadas noite e dia. Chegou a aparecer no filme "Cocoon" e em inúmeros cartões postais, além de sediar o Campeonato Mundial da modalidade duas vezes.
Quando os dois ligaram para saber se poderiam jogar, foram surpreendidos pela voz de uma mulher jovem do outro lado da linha: era Christine Page, presidente do clube aos 43 anos.
O que eles não sabiam é que o esporte está sendo redescoberto na cidade, com as disputas das noites de sexta, por exemplo, atraindo até 500 jovens. Não demorou para que a dupla se visse empurrando seus discos com tacos emprestados na companhia de garotos de vinte a trinta e poucos anos em uma quadra ao lado de um carrinho de cachorro-quente vegano e ao som de uma banda punk.
- Ficamos de queixo caído. Era o lugar mais mágico que já tínhamos visitado na vida! - se entusiasma Ashley. E decidiram levar a ideia para Nova York.
A história do shuffleboard é tão obscura e duvidosa como o gosto de certos jogadores para conjuntos de moletom. Sua origem vem de um jogo inglês do século XV, o shovelboard, um dos passatempos favoritos de Henrique VIII - além de degolar ex-esposas. Sua forma moderna chegou aos EUA no início do século XX, a bordo dos transatlânticos que tinham deques gigantescos ideais para a prática. Logo o jogo começou a se popularizar nas cidades em que as embarcações atracavam, como Daytona Beach e Saint Petersburg.
O esporte é tão social como a bocha e tão pouco exigente quanto o croquet. Duas equipes de duas pessoas ficam de cada um dos lados de uma quadra de concreto de 11,9 m de comprimento e vão empurrando quatro discos, alternadamente, com o objetivo de chegar à zona triangular para ganhar pontos. A primeira dupla a alcançar o placar pré-estipulado, vence. (Os pontos também podem ser contados por zonas, como no boliche.)
Nos anos 70 o shuffleboard já tinha virado uma obsessão nacional, com livros como "Shuffleboard: Those Capricious Discs" e "Let's All Play Shuffleboard", de Karl von Shuler, virando leitura obrigatória nas casas dos EUA; os fãs do jogo, porém, envelheceram e as empresas e clubes que dele dependiam minguaram. Só uma, a Allen R. Shuffleboard de Seminole, na Flórida, ainda produz os discos e tacos.
Ashley e Jonathan estão apostando que o que interessa aos mais velhos pode atrair os mais novos também. Na empreitada, investiram US$150 mil dos próprios bolsos e levantaram US$2 milhões através da Kickstarter e investidores; encontraram o imóvel ideal no 514 da Union Street através do Loopnet.com, um site de aluguel de imóveis comerciais, e assinaram um contrato de dez anos.
Há várias semanas o Royal Palms vem sediando festas para empresas como a Brooklyn Brewery e a Mondo, além de seus três mil fãs no Facebook e 338 doadores no Kickstarter - e, embora o clube ainda não tenha sido inaugurado oficialmente, já tem garantidos os 60 times necessários para a disputa do campeonato nas noites de segunda-feira. Cada um desembolsa US$500 para se inscrever.
Em meados de janeiro, quando o vórtice polar castigava a cidade, o clube estava lotado de gente jovem e bonita mais preocupada em mover seus discos que com o mau tempo. Representantes e amigos da companhia de bebidas William Grant & Sons, que estavam oferecendo uma festa, se misturavam aos doadores da Kickstarter e aos investidores. Uma van de comida vendia queijo grelhado recheado de Gouda.
Nas quadras, novatos e veteranos se misturavam.
Sam Bayard, advogado e membro do Berkman Center for Internet & Society de Harvard, estava aprendendo as regras do jogo.
- É muito melhor que pingue-pongue porque, com a bolinha, ou você é bom ou não é, e ninguém quer jogar contra um cara ruim. Você também nem tem vontade de jogar, mas no shuffleboard, o nível é bem mais condescendente.
Ali perto estava Shannon Flannigan, representante de uma cerveja de Singapura que vive no Brooklyn, com uma gravata western inspirada no jogo e um bolero preto e branco.
- Organizei um campeonato de shuffleboard em Milwaukee, mas há anos torcia para encontrar um em Nova York.
Passatempo diferente
Clube de Nova York tenta resgatar esporte que era tendência entre as décadas de 40 e 50
O Clube de Shuffleboard de Saint Petersburg, construído em 1924, em seu auge, chegou a contar com mais de 8 mil membros e 105 quadras
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