Encontrei o México de Jack Kerouac em uma faixa de praia que separava os hotéis antigos do ondeante Pacífico, em um bar onde ele se sentava no quebra-mar e via o sol se pôr 61 anos atrás.
Meus novos melhores amigos em Mazatlán, que eu conhecera apenas um dia antes, estavam atrás de mim discutindo e rindo. Porém, com uma cerveja na mão e minha visão perfeita do último bocejo da luz do dia, eu estava extasiado demais para falar. Aquele momento foi o mais próximo que cheguei de encarnar Kerouac na minha jornada inspirada por sua viagem de ônibus, em 1952, da fronteira do Arizona à Cidade do México. A cena diante de mim me trouxe à mente a Mazatlán que ele descreveu a Allen Ginsberg: "Quente e plana até a rebentação, sem nenhum turista, um ponto maravilhoso para os mexicanos, mas ninguém se dá ao trabalho de perceber, uma cidade empoeirada muito louca nas lindas ondas de Acapulco".
Mesmo assim, eu me perguntei o quanto dessa visão romântica de Kerouac batia com a realidade?
Mazatlán é um entre os muitos lugares que os beats usaram para reforçar a ideia do México enquanto destino para recreação degenerada e autodescoberta. Kerouac e William S. Burroughs, que se mudara para a Cidade do México em 1949 para fugir de uma acusação de porte de drogas em Nova Orleans, criaram na literatura uma noção charmosamente simples do país que ainda perdura.
Kerouac era um criador de mitos em muitos aspectos. Sua escrita transformou amigos batalhadores em heróis épicos e convenceu muitos vagabundos jovens (incluindo meu antigo eu) a partir de imediato, para encontrar os santos entre os pecadores. No caminho, ele criou a impressão de que ele e sua laia não eram turistas, mas os viajantes norte-americanos ideais, engajados e sensíveis, "desejosos de tudo ao mesmo tempo", como escreveu em "On the Road: Pé na Estrada".
Mesmo agora, como correspondente aqui desde 2010, costumo ver ligações entre a fantasia idílica norte-americana e as falhas mexicanas mais óbvias (segurança) e seus triunfos (arte contemporânea). No entanto, Kerouac foi um pioneiro. E como adepto, eu queria ver onde ele acertou ou errou e o que havia mudado desde que o escritor ajudou a definir o México para milhões de leitores. Seguindo a rota de Mazatlán à Cidade do México, eu esperava descobrir se sua visão onírica ainda podia ser encontrada, mesmo quando era confrontado com algumas das tragédias mais frias e brutais que muitos norte-americanos não percebem.
Meus novos amigos em Mazatlán, Dr. Juan Fernando Barraza e Victor Coppel, estavam entre os muitos que discordavam em relação se o rápido crescimento da cidade entre as décadas de 60 e 80 mudou a cidade para melhor. Sinaloa, estado onde fica Mazatlán, já era uma grande fonte de maconha nos Estados Unidos na época de Kerouac (um detalhe que ele deveria saber), mas como o uso de drogas aumentou nos EUA nas décadas que se seguiram, Barraza afirmou que o dinheiro fácil e a influência dos farristas norte-americanos paulatinamente afastou a cidade de suas raízes simples.
- Nós não copiamos o melhor dos norte-americanos, e, sim, o pior - afirmou o médico.
Todavia, meus guias não oficiais - parentes de um amigo meu de Los Angeles - concordavam em uma coisa: Mazatlán vivenciava um novo momento de reconsideração. Esta cidade de 440 mil pessoas agora se encontra no momento da ressaca de uma bebedeira que começou na época de Kerouac e, como com o México em si, costuma ser difícil saber se o futuro deve ser encarado com otimismo ou desespero.
Quando Kerouac chegou à Cidade do México ao amanhecer depois de uma longa viagem de ônibus passando por Guadalajara, ele tirou algumas horas de sono em uma "cabana criminosa", depois foi para a casa de Burroughs em La Roma, bairro da virada do século com casarões antigos grandiosos que começavam a decair.
Minha chegada a La Roma não poderia ter sido mais diferente. Se Mazatlán reflete o que pode dar errado quando os excessos norte-americanos se misturam à impunidade mexicana, La Roma representa o que pode dar certo quando os mexicanos com um gosto do mundo se concentram em uma comunidade só.
Não obstante, a corrupção ainda brecava as coisas. Os comerciantes dizem que os alvarás costumam exigir propina. De certa forma, em sua visão, pouca coisa mudou desde que a corrupção ajudou Burroughs a fugir de uma acusação de assassinato depois que ele atirou e matou a esposa enquanto bancava o Guilherme Tell alguns meses antes da chegada de Kerouac, em 1952.
Contudo, hoje em dia, pelo menos em La Roma existe um novo controle no abuso costumeiro do poder. Vejamos o caso do Maximo Bistrot, um dos melhores restaurantes do bairro. Em abril, uma revolta na mídia social impediu os inspetores públicos de fecharem o lugar depois que a filha do chefe do principal órgão mexicano de proteção ao consumidor reclamou por não ter recebido a mesa desejada. Depois aconteceu um golpe ainda maior: o presidente do México demitiu o pai dela, chefe da entidade.
Depois de comer no restaurante, eu tentei imaginar o que Kerouac teria achado dele. Talvez dependa de qual Kerouac nós imaginemos. Ele tinha 30 anos quando fez aquela viagem de ônibus e estava em grande medida autocentrado demais para ver além do "frenesi e do sonho" que definira sua visita em "Pé na Estrada". Mas e o Kerouac idoso? Se não tivesse morrido de alcoolismo em 1969, aos 47 anos, talvez ele tivesse se mudado para o México e tentado compreender e explicar melhor o país.
Com mais tempo vivo e no México, Kerouac poderia ter sido alguém que o México e os Estados Unidos ainda precisam muito: uma consciência binacional. Pense só nas viagens que ele poderia ter feito, nas histórias complicadas e cheias de camadas que poderia ter contado a respeito da vida nos dois lados da fronteira. Imagine o todo.