Sons de tiros todas as noites, lojas incendiadas e corpos - até meia dúzia por dia - costumavam definir o bairro de Mountain View, nas encostas da zona leste de Kingston, a capital da Jamaica. Entretanto, as coisas mudaram por aqui.
Agora, as noites são repletas de gente descalça jogando bola sob a luz da rua, ou festas que reúnem antigos rivais de gangues locais nas ruas do bairro. Ninguém foi assassinado em Mountain View nos últimos três anos.
- A nuvem negra está indo embora. Os jovens estão começando a procurar um sentido para a vida, uma função - afirmou Keith Nugent, de 76 anos, um alfaiate do bairro que aconselha antigos criminosos.
A Jamaica está se tornando um dos raros exemplos positivos da luta contra as drogas e o crime organizado na América do Sul e no Caribe. Depois de mais de uma década de sucesso limitado no combate à ilegalidade, a pequena ilha famosa pela vida despreocupada e pelo derramamento de sangue começou a ver resultados. A taxa de assassinatos da Jamaica, embora ainda seja alta, caiu 40% desde 2009 e um estudo respeitado mostrou recentemente que a "Jamaica passou de um dos países mais corruptos das Américas, para um dos menos".
A situação aqui é completamente diferente da de outros lugares da região, na América Central e no México, onde cartéis de drogas transnacionais e militarizados lutam entre si pelas mesmas rotas de contrabando para os Estados Unidos. Porém, autoridades americanas afirmam que embora o tráfico de drogas esteja voltando a atuar no Caribe - em função da vigilância intensificada em outras regiões - a Jamaica fez muito mais que os outros países para se proteger, trabalhando de forma transparente para fortalecer instituições fracas e aceitando a ajuda de estrangeiros.
A nova ênfase no policiamento comunitário, na redução da violência e no combate à corrupção é resultado da crise. Em maio de 2010, Christopher M. Coke, um dos traficantes mais poderosos da Jamaica, enfrentou uma tentativa de prisão que levaria a sua extradição para os Estados Unidos, forçando o bairro todo a ser cercado pelas autoridades e causando a morte de 70 pessoas.
Sua rendição algumas semanas mais tarde ajudou a desfazer redes de tráfico de drogas e armas, de acordo com as autoridades jamaicanas, permitindo que o país se dedicasse a projetos de longo prazo auxiliados por especialistas estrangeiros.
Os Estados Unidos, por exemplo, estão criando um centro de habilitação para a agência anticorrupção da polícia jamaicana, incluindo polígrafos e treinamentos para operadores.
Um relatório recente do Centro de Responsabilidade Governamental também destaca que os americanos estão dando cintos de utilidades aos policiais jamaicanos apenas com cassetetes e sprays de pimenta, em uma iniciativa para desencorajar conflitos com armas mortais. As próximas armas que provavelmente serão entregues - os Tasers - são mais agressivas, mas estão longe de ser os helicópteros, barcos e agentes das forças especiais que os Estados Unidos estão treinando na América Central. Contudo, a Jamaica tem um relacionamento histórico diferente com os Estados Unidos na guerra contra as drogas.
O Caribe era e principal rota do tráfico de cocaína para os Estados Unidos nos anos 1980 e 1990, o que significa que a Jamaica está entre os primeiros países da região a se juntar à iniciativa internacional contra o crime internacional. Por consequência, afirmam autoridades dos Estados Unidos e da Jamaica, o público da ilha é menos sensível à intervenção estrangeira que o da América Central e do México, além de haverem menos rivalidades institucionais ou desentendimentos acerca de quando a polícia ou os militares devem interferir na guerra contra o tráfico.
- Desde que estejamos alinhados na luta contra o crime organizado, estou disposto a trabalhar com qualquer pessoa - afirmou Peter Bunting, ministro da segurança na Jamaica.
A Jamaica é um antigo centro de produção e consumo de maconha e sempre foi mais aberta em relação a suas fraquezas. Autoridades reconheceram que precisavam de ajuda para dar o próximo passo há quase uma década, chegando até mesmo a colocar estrangeiros a cargo da polícia nacional.
- A Jamaica estava à beira do precipício; estava prestes a se transformar em um narco-Estado - afirmou Mark Shields, ex-policial britânico escolhido como vice-comissário de polícia em 2005.
O governo também criou ou fortaleceu comissões anticorrupção para observar de perto as autoridades eleitas, os contratos públicos e a polícia. Auditorias forenses anuais se tornaram obrigatórias, tanto para autoridades sêniores, quanto para policiais. Além disso, as leis foram fortalecidas de forma que todos que estivessem sob suspeita deviam comprovar a origem do dinheiro, ou seriam despedidos e processados.
Segundo Bunting, o objetivo era se concentrar menos nas drogas e mais nos ganhos ilícitos.
- Os chefões não conseguem fugir tão rápido. Eles geralmente ficam perto de suas fortunas e, por isso, estamos indo em busca do dinheiro - afirmou.
Eduardo A. Gamarra, professor de relações internacionais da Universidade Internacional da Flórida, afirmou que a abordagem da Jamaica foi bem sucedida apenas porque a prisão de Coke levou os jamaicanos a crerem que o país havia chegado ao fundo do poço. Eles chegaram a um ponto crítico, afirmou, quando viram a derrocada de Coke (conhecido como Dudus), que fugia da extradição há quase um ano com a ajuda de aliados políticos bem conectados, além dos corpos empilhados após o conflito entre apoiadores e autoridades.
- Esse tipo de evento precisa ocorrer para que as sociedades se transformem. O que causou a mudança na Jamaica? Dudus Coke - afirmou Gamarra.
Os resultados positivos são óbvios em áreas como Mountain View. Para muitos habitantes do bairro, o caso Coke - que ocorreu a poucos quilômetros dali, no bairro de Tivoli Gardens - ainda incomoda como o gás lacrimogênio. Gangues locais ligadas a Coke ressentem o que descrevem como uma "incursão" policial caracterizada pelo assassinato de civis pelos policiais e outros exemplos de uso excessivo de força.
Porém, até mesmo os moradores mais irritados de Mountain View afirmam que preferem a calmaria ao caos. Oswaldo Kemp, de 34 anos, que passou dois anos preso pela participação no assassinato de um policial, agora se preocupa mais com o trabalho.
- Só estou tentando fazer meu sítio voltar a produzir - afirmou, em pé entre um porco gordo e uma fileira de vegetais.
Na esquina, Kachif Benjamin, de 27 anos, sem camisa e com uma mochila cor de rosa, afirmou que muitos membros de gangues e traficantes também decidiram que já haviam derramado sangue demais.
- Chegamos àquele ponto, fizemos de tudo - afirmou.
A violência ainda é um problema significativo. No dia 22 de julho em Montego Bay, um adolescente foi esfaqueado até a morte por uma multidão enfurecida durante o que parecia ser um ataque homofóbico. Além disso, a taxa de homicídios na Jamaica ainda é de 40 por 100 mil, comparada com 22 por 100 mil no México e 87 por 100 mil em Honduras.
Bruce M. Bagley, professor de estudos internacionais na Universidade de Miami, afirmou que ainda não está claro se as melhorias registradas no país e em outras partes do Caribe será suficiente para resistir ao aumento no tráfico de drogas previsto pelos especialistas.
- Problemas socioeconômicos subjacentes, problemas institucionais e a criação de novos trajetos através do Caribe para o tráfico de drogas são uma combinação extremamente poderosa - afirmou.
Entretanto, para Nugent, o alfaiate, e para muitos outros habitantes, a paz está vindo embalada. Magro e de cavanhaque, em pé ao lado de um adesivo na parede que dizia "Celebre o perdão", ele afirmou que via esperança em todas as pessoas que vinham até ele para consertar roupas para trabalhar e nos jovens que buscavam aconselhamento e ajuda para pagar a escola. Elogiando a polícia por passar mais tempo conhecendo a comunidade e por abrir clubes para os jovens, ele disse que via mais luzes que escuridão no futuro.
- Luz atrai luz. Tudo que é bom também precisa começar - afirmou.