Segui os passos de missionários estrangeiros, gângsteres chineses e Chiang Kai-shek ao posto avançado nas montanhas de Moganshan buscando um descanso de uma Xangai a pleno vapor. Porém, antes de chegar ao meu destino, havia uma escadaria intimidadora pela frente.
- São 84 degraus - disse um sorridente Tiger, o gerente da Casa 2, a mansão restaurada do começo do século 20 onde eu ficaria hospedado, enquanto olhávamos a frágil escadaria de pedra sombreada por galhos dobrados de bambu.
Após chegar sem fôlego ao topo, para meu desalento vi que faltava mais 37 degraus até meu quarto no terceiro andar. Embora a escalada representasse um desafio, a jornada de Xangai a Moganshan fora relativamente fácil: uma viagem de três horas de trem e carro.
Essa proximidade, em conjunto com novas opções de hospedagem, revigorou a área e começou a atrair estrangeiros nos últimos anos, mais de um século após o auge original.
A principal atração, no entanto, é o que nos espera no topo da escadaria: florestas densas de bambus e pinheiros riscadas por trilhas para caminhada e ciclismo, um alívio agradável e tranquilo em relação às ruas apinhadas de Xangai. Na verdade, do lado de fora dessas novas acomodações, Moganshan mudou pouco.
Moganshan foi fundada no final do século 19 por missionários e suas famílias, desesperados por escapar do calor e das doenças dos verões pantanosos de Xangai. No começo do século 20, ela havia virado um refúgio para a elite estrangeira da cidade, que construiu amplas mansões de pedra e se distraía jogando tênis em quadras de grama ou brincando nas muitas piscinas que pontilhavam a encosta da montanha.
Não demorou muito para surgir outro tipo de gente, incluindo Du Yuesheng, também conhecido como Du, o Orelhudo, e Zhang Xiaolin, dois gângsteres que dominavam o comércio de ópio em Xangai. Zhang criava tigres de estimação nos fundos de sua mansão e, segundo boatos, teria alimentado um deles com uma de suas amantes. Moganshan também atraiu casais poderosos de um tipo diferente.
Os traficantes veraneavam perto de Huang Fu, ministro do Exterior do Kuomintang, que abrigou o líder da china nacionalista Chiang Kai-shek e a mulher, Soong Mei-ling, na lua de mel, em 1927.
A diversão não durou muito. Embora Moganshan tenha sido poupada da destruição durante a invasão japonesa no final da década de 30, os comunistas logo tomaram controle e se apropriaram das majestosas mansões de pedra na montanha. (Mao Tsé-Tung teria sido outro visitante.)
Levou décadas para Moganshan retomar seu lugar como refúgio de verão.
Tour de motocicleta
Mark Kitto, escritor britânico e ex-editor de uma revista de Xangai, foi o primeiro estrangeiro a voltar para a montanha em meados da década passada. Kitto foi meu guia em Moganshan e, enquanto zuníamos pelas estradas sinuosas da área na sua motocicleta, com o cachorro Charlie no sidecar, ele contou a história das casas, algumas das quais foram reformadas por incorporadores imobiliários e se transformaram em hospedarias.
As duas mansões fazem parte do itinerário de passeios guiados pela montanha oferecidos por Kitto, que relata a história do local no livro China Cuckoo (Chasing China nos Estados Unidos). Sua mulher, Joanna, nascida em Guangzhou, outra entusiasta pela área, reformou três mansões arrendadas - as Casas 23, 25 e 2 - em uma tentativa de recriar a sensação dos primeiros dias do resort.
Segundo Joanna Kitto, as mansões dilapidadas tinham muros quando as arrendou do Exército de Libertação Popular, os atuais proprietários, e pouco mais. Ela reconstruiu os pisos da Casa 2 usando madeira reciclada de casas antigas da área e copiou os padrões de mosaico que viu em um banheiro vizinho, intocado desde o começo do século 20.
Ela ainda tem a Moganshan Lodge, único lugar no topo da montanha onde os visitantes podem relaxar com vinho depois de um dia subindo escadas ou pedalando pelo bambuzal. O chalé oferece mapas para caminhadas sem guia pelo topo da montanha ou descendo as ladeiras do vale ao redor, e os visitantes também podem alugar bicicletas do Hotel Songliang, mantido por chineses, que fica ao lado.
Luxo sustentável
Apesar da iniciativa dos Kitto, o desenvolvimento da montanha tem sido lento, graças à resistência do governo da província e do exército, que detém um quinto das antigas mansões.
Porém, nas redondezas, os poucos obstáculos burocráticos permitiram a empreendedores estrangeiros embarcar em projetos mais ambiciosos, como o resort ecológico Naked Stables Private Reserve, inaugurado no semestre passado a vários quilômetros da montanha, depois de um investimento de quase US$ 32 milhões de Grant Horsfield, o proprietário sul-africano, e sua esposa arquiteta, Delphine Yip.
Para Horsfield, não foi tanto a história da área que o atraiu, mas a proximidade de uma zona rural intocada nos arredores de Xangai. Seu objetivo era construir uma propriedade de luxo que também fosse sustentável, um novo conceito na China, onde existem hotéis sofisticados aos montes, mas o ecoturismo ainda está nascendo Horsfield não é o único estrangeiro que atrai hóspedes endinheirados a Moganshan.
Christophe Peres, francês, e a mulher, Pauline Lee, passaram quase cinco anos construindo o hotel chique de 40 quartos Le Passage Mohkan Shan. O local, que também abriga uma plantação orgânica de chá, abriu parcialmente em dezembro; o resto deve ser inaugurado em outubro.
Peres também se disse inspirado pelas mansões na montanha e, por isso, escolheu madeira reciclada de cem anos e lajotas ao estilo francês feitas à mão para o piso. Ele também construiu uma piscina de água salgada com vista para os morros cobertos de plantações de chá e plantou um jardim com 12 mil roseiras.
O chef xangaiense tem boa formação em culinária francesa. Já a adega está abastecida com vinhos franceses biodinâmicos e conhaque caseiro de pera de Peres. Contudo, existem diferenças em relação aos velhos tempos. Os chefes políticos ainda podem vir, mas deixam os bichinhos exóticos em casa.