Em meados de dezembro, carros abarrotados de malas tomam as avenidas de Lagoa do Camboim, e as casas, aos poucos, começam a ganhar vida. Como em todo lugar em que muita gente se encontra ao mesmo tempo, vizinhos se aglomeram nas ruas, trocam cumprimentos, falam sobre os filhos e netos.
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O movimento cresce tanto que a população do balneário se multiplica por 10: são 240 almas que fazem do Camboim seu recanto de verão - isso quando os filhos adolescentes não se rebelam e decidem passar as férias com amigos em Torres ou Capão da Canoa para escapar desta que provavelmente é a menor praia do Rio Grande do Sul.
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Espremida entre dois balneários de maior movimento (São Jorge e Camboim), a Lagoa do Camboim é um feixe de duas avenidas que nascem perto do Oceano Atlântico e morrem 700 metros depois, às margens da lagoa que dá nome à cidade. É uma das 28 praias de Arroio do Sal, e serve de lar para 12 famílias durante o ano. No verão, as 80 casas são ocupadas - não há prédio ou condomínio.
- Se dizem que a praia é pequena, deveriam ver quando começamos a veranear aqui, há 20 anos. Éramos apenas nós dois e mais uma ou duas dezenas de casas - recorda Ivanir Basso, ao lado da mulher, Vera.
Ivanir é definido pelos vizinhos como o síndico da praia. É ele quem capina a praça - que, além das duas paradas de ônibus, uma em cada sentido, é o único ponto de referência do balneário - e sabe quem já chegou para as férias. Foi de Ivanir a ideia de afixar uma placa com o nome da praia, para não deixar o recanto passar batido por quem transita entre as vizinhas São Jorge e Camboim, a irmã populosa.
Pâmela com a mãe e o filho: "O sossego é muito bom." | Foto: Carlos Macedo
Muitos dos veranistas têm mais de 50 anos, e vêm à Lagoa porque as casas eram de seus pais e eles mantiveram o hábito. Sem a mesma disposição de quando eram piás para passar o dia diante do mar, deixam a areia como um deserto sob medida para quem busca sossego. Naquele trecho de pouco menos de 150 metros, uma única família desfrutava do grande pátio dos camborienses na tarde da última quinta-feira.
- O sossego é muito bom. Você olha para um lado, olha para o outro, e não vê ninguém - diz Pâmela Barbosa, 28 anos, que tomava sol enquanto o filho Vinnícius, oito anos, era o engenheiro solitário de um castelinho, e a mãe dela, Maria, curtia o som da brisa. - A única coisa que falta aqui é um quiosque, para não ter de andar meia hora para buscar uma caipirinha em outra praia - brinca.
Operação Golfinho até retirou a única guarita
O dia a dia na orla é tão sonolento que, neste ano, a Operação Golfinho decidiu tirar da praia a única guarita e levar para um balneário vizinho. É mais uma coisa que se vai na história de 68 anos do local. Um antigo hotel de madeira que funcionava nos tempos em que a luz da Lagoa do Camboim era acionada a gás - 1981 - fechou por falta de clientes, que preferiam destinos mais agitados. Hoje, até para tomar sorvete ou comprar cacetinho os veranistas precisam andar duas quadras até a praia ao lado.
- Aqui, nunca um comércio durou muito - conta Alda Dias da Silveira, 71 anos, veranista da Lagoa desde 1950.
Paula é uma das mais antigas veranistas do lugar | Foto: Carlos Macedo
Quando o pai dela comprou um dos primeiros lotes na praia, seu destino de férias passou a ser o Camboim. O ônibus trazia os veranistas pela areia da praia, já que não havia estradas. O jornal era jogado de avião: um teco-teco sobrevoava a Lagoa e arremessava as edições até a frente do velho hotel para serem recolhidas e vendidas. A luz era acionada por motor, e às 22h, pontualmente, uma sirene soava três vezes avisando que os geradores seriam desligados.
- Hoje, a vida aqui ficou um pouco mais fácil - diz Paula Wetter, 85 anos, outra das mais antigas veranistas do lugar.
Paula vê os dias se arrastarem diante da varanda da casinha tão azul quanto a cor de seus olhos, exatamente como acontecia quando era moça e vinha com o marido. Quando é perguntada sobre o que costuma fazer para passar o tempo, responde sem vacilo:
- A mesma coisa que eu fazia quando era guria: nada.
Barraca e pescaria
Zaira e Evaldo compraram terreno no local em 1983 | Foto: Carlos Macedo
O que explica uma praia, mesmo colada em outras, ser tão pequena? Conforme o secretário de Turismo, Esporte, Indústria e Comércio de Arroio do Sal, Mateus Ribeiro, os antigos proprietários compravam fatias extensas de terras e depois loteavam. Às vezes, davam nomes diferentes aos loteamentos. Em outras ocasiões, batizavam rapidamente para demarcar a área, estabelecendo limites para os vizinhos.
- Hoje, para juntar várias praias em uma só, seria preciso um trabalho extenso sobre as escrituras e negociação com os donos dos lotes originais - explica Ribeiro.
A área da Lagoa do Camboim foi arrematada de uma só vez por Joaquim Ferreira Leandro, um dos desbravadores de Arroio do Sal, que também loteou Camboim e São Jorge. Conta a filha de Joaquim, Marina Leandro Rolian, hoje com 83 anos e moradora do município, que os lotes eram vendidos aos poucos, e, a cada oferta, o pai dava nomes diferentes.
- O nome da Lagoa do Camboim foi inspirado nos camboins, árvores que davam ao redor da lagoa nas proximidades - conta.
Uma das casas mais próximas da antiga lagoa é a dos aposentados Evaldo e Zaira Silveira, a "área nova" da prainha, que começou a ser povoada pela metade mais próxima à orla. Quando compraram o terreno, em 1983, eram apenas eles e a lagoa. Veranearam por seis anos seguidos em barracas.
- A diversão era pescar e ir para a beira da praia. E não sentíamos falta de nada - diz Evaldo.
Hoje, a lagoa é raramente frequentada, já que a água baixou consideravelmente e pouco dá peixe. Para se divertir, basta rodar um par de quilômetros para ir às lojinhas e restaurantes de Arroio do Sal.
Moradores queixam-se de abandono pela prefeitura
Viver ou tirar férias em uma minúscula prainha tem o lado ruim. Moradores reclamam que são deixados de lado pela prefeitura de Arroio do Sal, já que não teriam a mesma força política ou comercial de balneários vizinhos como Rondinha e Areia Branca.
As queixas são principalmente em relação às avenidas - que, apesar do nome, não são mais do que duas estradas de chão batido esburacadas -, à falta de capina e à dificuldade de acesso à beira da praia, por conta do lamaçal que se forma entre as dunas após a chuva. Não há passarelas.
- Todos os dias ligo para prefeitura para que deem um jeito nas ruas e na grama. Faço os protocolos, mas nunca resolvem - diz a veranista Vera Basso. - E o IPTU é mais alto do que de nossa casa em Caxias do Sul.
Conforme Leandra Oliveira, que há 14 anos mora na Lagoa do Camboim, viaturas de polícia e até uma ambulância já atolaram enquanto atendiam emergências no balneário.
- De vez em quando vem uma patrola da prefeitura e ajeita alguns poucos metros de rua. Mas vai embora e deixa o serviço pela metade - diz Leandra.
O secretário de Turismo, Esporte, Indústria e Comércio, Mateus Ribeiro, diz que há dificuldade financeira para recuperar todas as ruas e avenidas, mas uma ação será realizada dentro de poucos dias. Quanto à passarela entre as dunas, ele alega que depende de acordo com órgãos ambientais federais e estaduais, e as negociações estão em curso. A capina dos canteiros foi feita no dia em que ZH esteve lá.
Apenas 24 moradores fixos
Não há estudo de órgão oficial que defina a Lagoa do Camboim - ou qualquer outra praia - como a menor do Rio Grande do Sul. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, analisa dados de população por municípios ou regiões, mas não separa seus dados por balneário.
Conforme geógrafos consultados por ZH, os critérios mais comuns para avaliar a dimensão de localidades são população e a área. Estudos mais detalhados de distritos ou praias, por exemplo, são feitos pelos próprios municípios. A prefeitura de Arroio do Sal diz que a Lagoa é seu menor balneário urbanizado, com 24 moradores fixos e 105 mil m² - seu tamanho equivale a menos de um terço do Parque da Redenção, em Porto Alegre.
Confira galeria de fotos da Lagoa do Camboim