A maior parte do litoral gaúcho não é um oceano de beleza selvagem com promontórios e acidentes recortados caprichosamente contra o horizonte. Não. De certo modo, o Rio Grande do Sul se assemelha com sua costa marítima: reta, sem ornamentos, de tons cinzas e castanhos, distante e fria mesmo quando iluminada pelo sol. Não que essa descrição seja plenamente original, está mais para um clichê cristalizado no imaginário que o gaúcho construiu de seu próprio litoral, e como a literatura lida, entre outras coisas, com representações do imaginário, não é de surpreender que as poucas incursões da literatura gaúcha pelas areias de suas praias sejam carregadas da mesma melancolia que se instala no espírito de quem observa o mar encapelado em uma tarde chuvosa.
O romance considerado o primeiro a fixar em letra escrita o gaúcho como um "tipo" foi o também o responsável pela primeira representação ficcional da faixa litorânea do Estado: O Corsário, de José Antônio do Vale e Caldre Fião, publicado primeiramente em folhetim no jornal O Americano, que circulava na corte do Rio de Janeiro, de janeiro de 1849 a fins de 1851. Ao apresentar a Revolução Farroupilha como pano de fundo, poucos anos após o fim do conflito, Caldre e Fião ambienta a narrativa em uma longa faixa litorânea no norte do Estado, nas cercanias de Torres, lar de pescadores desassistidos que sobrevivem de pesca esparsa e da coleta do que o mar devolve à praia após os naufrágios. O mar de Caldre e Fião já é, aí, a massa fria e feroz que castiga melancolicamente os paredões de Torres. Mais de meio século depois, no texto que serve como prefácio a Contos Gauchescos (1912), Simões Lopes Neto se refere à "ardentia das areias desoladas do litoral".
Também O Louco do Cati (1942), de Dyonélio Machado, percorre o litoral, acompanhando uma a princípio despretensiosa excursão de jovens ao litoral. Em uma época sem Estrada do Mar, a longa viagem se torna uma odisseia rumo ao pesadelo - o litoral é o ponto em que a realidade da nunca nomeada mas sempre presente ditadura getulista desaba sobre o "louco" do título e seu companheiro de viagem, Norberto. As estradas já são melhores nos anos 2000, mas a representação da praia como um cenário de melancolia, mais próprio a um acerto de contas do que a um batismo místico, também vai se repetir em dois romances lançados na última década: Longe da Água, de Michel Laub, e Cassino Hotel, de André Takeda, ambos, casualmente, publicados em 2004. Imerso em atmosfera pop, Cassino Hotel leva seu personagem principal, um guitarrista em crise afetiva e profissional, a uma fuga para o Cassino, praia em que o jovem passava a infância e na qual pretende descobrir o que houve de errado com sua vida desde aquele tempo. Já Longe da Água é uma narrativa de construção mais sólida e segura, recuperando, em um ritmo entrecortado que oscila entre passado e presente, a juventude de seu protagonista na praia de Albatroz, em Imbé, e a importância em sua trajetória de um amigo que terá um fim trágico. Apesar do tom nostálgico e carinhoso com que Laub reconstrói os meses em que a vida de um jovem no verão se transfere para a praia (ou se transferia, na época dos longos veraneios que não se fazem mais), é ainda a praia o cenário de uma tragédia que dará ao protagonista uma cicatriz emocional definitiva.
Porque, ao menos na ficção, o litoral gaúcho não é um local de encontros, no máximo de melancólicos reencontros consigo mesmo.