Os dados do saneamento básico no Censo Demográfico 2022 colocam Presidente Lucena, no Vale do Sinos, entre os municípios com os melhores resultados do país. O levantamento foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira (23). O Rio Grande do Sul, porém, também detém destaques negativos: dois municípios gaúchos entre as 20 cidades brasileiras com os piores índices de tratamento de esgoto — São Pedro das Missões e Santo Antônio do Planalto.
No caso de Presidente Lucena, o município chegou a 100% da cobertura do recolhimento do lixo, esgotamento sanitário, acesso exclusivo a banheiros e canalização de água. Estudiosos dizem que o fato de Presidente Lucena ter 3.077 habitantes influencia na construção de uma infraestrutura sanitária eficiente, mas há fatores culturais que explicam o destaque nos índices.
Moradores ouvidos por GZH relatam que os dados do levantamento federal coincidem com a rotina: são raros os problemas com saneamento básico no município criado em 1992 e que fica a cerca de 65 quilômetros de Porto Alegre.
Cuidado com o lixo
O Censo 2022 afirma que 100% das moradias de Presidente Lucena tinham o lixo coletado por serviço de limpeza ou depositado em caçamba de serviço de limpeza.
O mesmo feito ocorreu apenas em outros dois municípios no país: Santa Cruz de Minas, em Minas Gerais, e Águas de São Pedro, em São Paulo. No recenseamento de 2010, o índice foi de 96,97% no município gaúcho, quando não havia coleta seletiva.
Esse modelo de destinação dos resíduos começou no local em janeiro de 2020, realizado por uma empresa terceirizada. Antes, o trabalho ocorria duas vezes por semana na cidade e uma vez em pontos do Interior. Atualmente, o recolhimento do lixo orgânico é feito às segundas e sextas-feiras e dos resíduos secos às terças-feiras na parte urbana. No Interior ocorre em dois dias: terças (recicláveis) e sextas-feiras (não recicláveis).
Segundo Gilmar Führ, prefeito de Presidente Lucena, a administração municipal organizou um trabalho prévio com o objetivo de informar a população sobre o novo modelo.
— Fizemos bastante conscientização nas escolas. Os alunos levavam panfletos para casa, alertamos a todos que a coleta seletiva começaria logo. No início havia alguns que não respeitavam, mas, aos poucos, foram todos aderindo e colaborando. As empresas “brigam” para coletar nosso lixo porque é bastante limpo — afirma o prefeito.
A triagem do lixo recolhido é feita em uma cooperativa em Lindolfo Collor, município vizinho. Outro aliado na limpeza de Presidente Lucena é um contêiner disponibilizado para o descarte de objetos que não são recolhidos na coleta seletiva – colchões, sofás, móveis, eletrônicos, plásticos e ferros. O recipiente fica à disposição durante alguns dias a cada três meses; a última vez foi entre 18 e 25 de dezembro. O próximo recolhimento será em março.
Água é responsabilidade do município
Todas as moradias de Presidente Lucena têm acesso à rede geral de distribuição de água. No ranking do item “Possui ligação à rede geral e a utiliza como forma principal” é o sétimo município no país com maior percentual: 99,55% das moradias. Além disso, a canalização de água chega a todos os domicílios – outros 422 municípios (o total é 5.570) brasileiros têm essa porcentagem.
A água é responsabilidade da prefeitura, que mantém 15 poços em pontos do município para o abastecimento. Há uma equipe responsável pela manutenção dos sistemas, com funcionários públicos. Empresas terceirizadas são contratadas apenas para serviços especializados.
— Nossa água é toda de poço: é de boa qualidade, usamos uma quantidade mínima de cloro. Para o município não compensa ter a Corsan administrando isso — comenta o prefeito.
Esgotamento sanitário
Os moradores contados pelo Censo em 2022 tinham 100% de acesso a formas de esgotamento sanitário consideradas adequadas, índice alcançado apenas por outros três municípios no país: Águas de São Pedro, Avanhandava e São Caetano do Sul, em São Paulo, e Anhanguera, Goiás.
— Pelo tamanho da cidade, não temos tratamento de esgoto. Cada construção precisa ter fossa, filtro e sumidouro. Isso é retirado depois de alguns anos, pois os moradores contratam uma empresa. O que vai para o pluvial é só água de chuva — diz Gilmar Führ.
O que dizem os moradores
Maria Helena Neckel, 60 anos, vive no mesmo local há 34 anos, ou seja, desde antes de Presidente Lucena se tornar um município – até 1992 o território fazia parte de Ivoti. A aposentada relata ter vivido todas as fases da implementação do saneamento básico no local.
Sempre faço a separação (do lixo) e vejo que as outras pessoas também fazem. É um hábito comum.
STÉFANI BOLL
Moradora de Presidente Lucena
— No passado não havia recolhimento de lixo. Cada um tinha que achar uma maneira de enterrar, de se livrar. Usávamos muita compostagem. A cidade sempre foi limpa e organizada. Então foi fácil para todos quando veio o lixo com a coleta seletiva: foi algo bastante trabalhado nas famílias, escolas e comunidade. Não lembro de acúmulo de lixo na rua ou de não recolhimento recentemente — diz Maria Helena, que mora com o marido e um filho na rua Lobo da Costa.
A aposentada fez esforços para recordar se a família havia enfrentado dificuldades com abastecimento de água ou esgoto. Lembrou de um episódio, anos atrás, em que a moradia ficou “três ou quatro dias” sem água por conta de um problemas no sistema de bombeamento dos poços administrados pela prefeitura. Sobre esgoto, não se recordou.
— A qualidade da água é muito boa aqui e é raro ter falta de abastecimento. Muitas pessoas têm caixa d'água, o que ajuda também nisso. Todos os moradores têm água canalizada — resume.
O caminhão do lixo tinha passado havia poucos minutos na segunda-feira (26) quando Círio Laux, 70 anos, conversou com a reportagem.
— O recolhimento é feito três vezes por semana, duas é orgânico e uma é seco. Sempre fizemos a separação certinha aqui em casa. Não tem acúmulo de lixo na rua, nada assim aqui. Para mim, está perfeito — apontou o aposentado.
Laux vive com a esposa em um imóvel na rua Armando Seewald, mas é morador do local desde quando Presidente Lucena era parte de Ivoti.
— Tudo funciona bem, não temos o que reclamar — acrescentou.
Há um ano e quatro meses em Presidente Lucena, Stéfani Boll, 22 anos, disse não ter tido problemas relacionados ao saneamento básico no município e elogiou a separação do lixo.
— Antes morava no interior de Ivoti, onde havia recolhimento apenas uma vez por semana e não era separado. Aqui tem coleta seletiva e três vezes por semana. Acho importante que seja assim para não virar uma bagunça. Sempre faço a separação e vejo que as outras pessoas também fazem. É um hábito comum — disse a jovem, vendedora em uma ótica.
O que explica os bons dados
Darci Barnech Campani, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), diz que algumas características de municípios com poucos habitantes ajudam a explicar o sucesso nos índices de saneamento básico de Presidente Lucena.
— Um núcleo habitacional menor e concentrado traz algumas vantagens em termos de extensão de rede de água e esgoto. No caso dos resíduos, o perímetro que um caminhão tem que correr para conseguir coletar a cidade inteira é menor. Há, porém, dificuldades na área rural pois esses serviços precisam ser estendidos até lá — diz.
Isso, porém, não quer dizer que seja mais fácil resolver dificuldades nos municípios do tamanho de Presidente Lucena: quanto menor o grupo de habitantes, menos a prefeitura tem para investimentos no território, acrescenta Campani:
— Municípios campeões de renda e arrecadação aqui no Estado deixam a desejar no saneamento básico. Isso mostra que, no fim, as dificuldades financeiras e técnicas são as mesmas dos municípios grandes.
Por isso, para o representante da Abes, os bons indicadores podem também estar relacionados à decisão dos administradores e um forte senso de comunidade presente na população.
— O povo que tem a cultura de exigir saneamento acaba elegendo vereadores e prefeitos que levam essa preocupação para as suas gestões. Há outros fatores: é uma população que sabe se relacionar com os vizinhos e que têm treinamento sobre o assunto (saneamento). A parte do resíduo sólido é basicamente uma postura cidadã que a pessoa tem que ter a partir da sua casa — afirma.
Crescimento com saneamento
Para Vanusca Dalosto Jahno, professora do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, a “proximidade” com o poder público é um atalho para pleitear melhorias no saneamento básico.
— Um morador de um município menor tem mais contato com a prefeitura para cobrar e ser ouvido — resume.
Vanusca também acrescenta que as pessoas tendem a conhecer umas às outras em cidades com baixo número de habitantes, o que contribui no diálogo da comunidade em busca da resolução de problemas. A professora também atenta para o fato que o município se destaca nos índices em um momento de crescimento populacional.
O número de moradores aumentou 23,87% entre os censos de 2010 e 2022; passou de 2.484 para 3.077 moradores. No mesmo período, por exemplo, o Estado cresceu apenas 1,72%.
— É, ainda, uma população pequena, mas que está em desenvolvimento, já tem uma área industrial, comercial e isso leva ao investimento em esgotamento sanitário, tratamento de água para todas as casas e a coleta do lixo. Os dados do Censo mostram que eles estão crescendo com um saneamento básico adequado ao tamanho. Isso é indicativo de uma boa gestão — acrescenta.